quarta-feira, 27 de abril de 2016

Nº 20



A PROFECIA É UM DOM PERMANENTE OU TEMPORÁRIO? 
por Wayne Grudem

Existem dois outros sentidos em que a profecia pode ser considerada um dom temporário. Em primeiro lugar, nenhum profeta era capaz de profetizar de acordo com a própria vontade. Alguém só poderia profetizar quando recebesse uma revelação. Ainda que uma pessoa profetizasse com bastante frequência, pode-se dizer que a pessoa não “possuía” realmente o dom, uma vez que precisava esperar até o momento em que o Espírito Santo lhe desse a revelação.

Em segundo lugar, Paulo reconhece claramente a soberania do Espírito Santo na distribuição dos dons. Todas as coisas (ou dons) “são realizadas pelo mesmo e único Espírito, e ele as distribui individualmente, a cada um, como quer” (1Co. 12:11). Portanto, é realmente possível que o Espírito Santo conceda a alguém uma habilidade especial — digamos, como a cura ou a profecia — por apenas alguns instantes e depois nunca mais.

Contudo, a despeito dessas duas possibilidades, também é possível falar da profecia como um dom permanente ou, pelo menos, semipermanente. Embora acreditemos que nenhum profeta possa profetizar por sua vontade, todavia encontramos indicações em 1Coríntios de 12 a 14 de que havia pessoas que profetizavam com frequência e por longo período de tempo. Esse fato não contradiz necessariamente a insistência de Paulo na soberania do Espírito Santo na distribuição dos dons. Simplesmente confirma que Paulo reconhecia que o Espírito agia de maneira ordeira e regular, e não de modo casual e imprevisível.

Em 1Coríntios 14:37, a expressão “se alguém pensa que é profeta” não se refere a quanto tempo a pessoa profetiza, mas ao momento em que a carta de Paulo é lida. Isso implica que alguns profetizam com frequência suficiente para serem considerados profetas todo o tempo, não apenas enquanto profetizam. De maneira similar, em 1Coríntios 13:2 a frase “ainda que eu tenha o dom de profecia” dá a entender uma possessão contínua do dom. Também em 1Coríntios 12:29, onde lemos: “São todos profetas?”, vemos a implicação de que alguns profetizavam com regularidade suficiente para serem considerados profetas.

Parece que o mesmo acontece com outros dons. Aparentemente, quando alguém tinha a habilidade de interpretar línguas, esse fato era conhecido por toda a congregação, porque quem falava em línguas deveria saber se algum “intérprete” estava presente e, se não estivesse, não deveria falar línguas na igreja (1Co. 14:28).

Pode-se chegar a conclusão similar a partir da metáfora do corpo humano encontrada em 1Coríntios 12:12-26. Se os membros da igreja são tidos como parte de um corpo, o retrato é o da continuidade de posse de funções durante um período de tempo (pois a mão continua a ser mão, e o pé continua a ser pé, etc). Contudo, essa metáfora não pode ser levada a extremos, pois isso simplesmente implicaria que ninguém poderia obter outros dons nem perder os dons que possui ou ter mais de um dom, e assim por diante[1].

Portanto, o padrão parece ter sido o de que a profecia normalmente era um dom permanente ou, pelo menos, semipermanente, embora ninguém pudesse profetizar por vontade própria e apesar de alguns profetizarem uma vez e depois nunca mais.

Embora, nesta discussão, não seja errado dizer que alguém “possui” um dom ou outro (Paulo fala dessa maneira em 1Coríntios 12:30 e 13:2, no texto grego), é bom lembrarmos a perspectiva madura de Richard Gaffin sobre a questão da posse de dons espirituais de modo geral:

Provavelmente a mais importante e certamente a mais difícil lição a ser aprendida é que, por fim, os dons espirituais não são forças e habilidades presumidamente nossas nem algo que “possuímos” (ou mesmo tenhamos recebido), e sim o que Deus faz por meio de nós a despeito de nós mesmos e de nossas fraquezas. “Minha graça é suficiente para você, pois meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2Co. 12:9)[2].



Notas:
[1] A passagem de Romanos 11:29.diz: Pois os dons e o chamado de Deus são irrevogáveis. Contudo, isso não é diretamente relevante à nossa pesquisa sobre o uso dos dons espirituais na igreja, pois, no contexto de Romanos 11, Paulo está falando sobre o acesso às bênçãos da aliança dadas a uma nação em particular  os judeus , e não sobre ministérios individuais. Portanto, essa não é uma passagem que contribui a nossa investigação.
[2] Perspectives on Pentecost, Philipsburg: Presbyterian and Reformed, 1979, p.54

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Extraído de:
GRUDEM, Wayne. O dom de profecia. Do Novo Testamento aos dias atuais. São Paulo: Vida, 2004, p.223-25.

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