por D. A. Carson
Na minha opinião, essa terceira posição tem fortes evidências a seu favor. Entre os fatores mais importantes, estão estes:
(1) É difícil acreditar que Paulo esperasse que os Coríntios pensassem que, ao se referir à “perfeição”, ele fazia alusão ao fechamento da Escritura.
(2) O mais importante é o versículo 12b. A perfeição implica num estado de coisas em que o meu conhecimento é, de certa forma, comparável ao presente conhecimento que Deus tem de mim: “conhecerei como sou plenamente conhecido [a saber, por Deus]”. Isso não significa que Paulo espera obter onisciência, mas “que, na consumação, ele espera ser liberto dos enganos e das inabilidades, que fazem parte da vida presente, para o entendimento (especialmente para o entendimento de Deus e de sua palavra). Seu conhecimento refletirá o atual conhecimento que Deus tem dele, pois não haverá nele imprecisões falsas e, além disso, não estará limitado ao que é possível perceber nesta era” [1]. O foco de Paulo não é que os dons carismáticos desaparecerão por causa de sua fraqueza ou falha intrínseca. Seu argumento é baseado “no fundamento daquilo que está por vir” [2]. Nas memoráveis palavras de Barth, “quando o sol se levanta, todas as luzes se apagam” [3]. Quando aquele maravilhoso conhecimento de Deus se tornar o nosso, o propósito dos dons, tais como profecia, conhecimento e línguas, desaparecerá: que possível serventia eles ainda poderiam ter?
(3) Certamente não menos importante é o versículo 12a. Agora vemos “como que por um espelho, de modo obscuro”: a expressão sugere uma revelação divina ainda indistinta ou embaraçada [4]; contudo, quando a “perfeição” vier, “veremos face a face” — quase que uma fórmula para a teofania na Septuaginta [5], é portanto quase certo que é uma referência ao novo estado trazido pela parúsia. Como Turner observa, a referência à parúsia é “tão clara que Calvino pôde dizer: ‘É uma estupidez que as pessoas façam com que toda essa discussão se aplique ao tempo intermediário’. Não importa o quanto respeitemos o cânon do Novo Testamento, ele só pode ser acusado do mais absurdo exagero no versículo 12, se é disso que Paulo está falando” [5].
(4) A força do versículo 12, de forma semelhante, elimina a sugestão de que “perfeição” se refira (como em Efésios) à união de judeus e gentios em um homem único e “perfeito”. Esse tema é irrelevante para o contexto de 1 Coríntios 13 [6]. Na verdade, qualquer maturidade anterior à parúsia simplesmente torna a linguagem do versículo 12 um tanto trivial.
(5) O versículo 11 também traça um nítido contraste. Apesar de o contraste adulto/criança ser uma técnica retórica padrão no mundo antigo [7], sua aplicação específica aqui exige um salto considerável da infância para a fase adulta. Argumentar que a experiência e a maturidade espiritual da igreja primitiva antes da conclusão do cânon da mesma forma que a experiência do falar e do entendimento infantil está para a da fase adulta é uma total falta de senso histórico.
(6) Se for verdade que a palavra para “perfeição” não é usada em mais nenhum outro lugar para falar do completo estado de coisas trazido pela parúsia, também é verdade que ela quase sempre ocorre como um adjetivo. Somente aqui ela é um substantivo articular neutro, e é provável que tenha sido criada precisamente para servir de contraste ao “que é parcial” ou “imperfeito”.
(7) A interpretação de que Paulo se refere à conclusão do cânon depende do entendimento da profecia do Novo Testamento e de outros dons revelacionais como tendo o mesmo significado de revelação e autoridade que a profecia do Antigo Testamento. Se esse pressuposto for questionado — e eu tentarei fazê-lo no próximo capítulo —, então há bem menos pressão teológica para adotar essa postura.
Nada disso, é claro, sugere que Paulo esteja interessado em estabelecer e frequência ideal e relativa da profecia na igreja; também ainda não mencionamos as objeções históricas que argumentam que os dons de profecias e línguas realmente cessaram. Por ora, essas questões são irrelevantes. Nesses versículos, Paulo estabelece o fim desta era como o tempo em que esses dons deverão ser finalmente abolidos.
Notas:
[1] Grudem, Gift of Prophecy, 213.
[2] Günther Bornkamm, Early Christian Experience, trad. Paul L. Hammer (Londres: SCM, 1969), p.184-85.
[3] Karl Barth, The Ressurection of the Dead, trad. H. J. Stenning (Nova York: Arno, 1977), p.81.
[4] A combinação de di esóptrou en ainigmati já provocou considerável discussão. Provavelmente abrange uma alusão a Nm. 12:6-8 (veja Grudem, Gift of Prophecy, p.145-46 n.53). Seja pela qualidade inferior dos espelhos no mundo antigo, seja pelo ângulo de visão, os espelhos somente podem prover uma imagem indireta e incompleta da realidade. A segunda frase preposicional provavelmente não significa que a revelação já dada seja enigmática, misteriosa quanto ao seu sentido, completamente incompreensível, mas simplesmente indistinta. Veja inter alios Wilfrid L. Knox, St. Paul and the Chruch of the Gentiles (Cambridge: Cambridge University Press, 1961), 121; Nobert Hungedé, La Métaphore du Miroir dans les Epîstres de saint Paul aux Corinthiens (Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1957); David H. Gill, “Through a Glass Darkly: A Note on 1 Corinthians 13,12”, Catholic Biblical Quarterly 25 (1963): 427-29; Frederick W. Danker, “Postscript on 1 Corinthians 13,12”, Catholic Biblical Quarterly 26 (1964): 248; Grudem, Gift of Prophecy, 144-47. Contra R. Seaford, “1 Corinthians XIII.12”, Journal of Theological Studies 35 (1984): 117-20, não é nada claro que haja uma alusão direta às religiões de mistério.
[5] As palavras prósopon pròs (ou katà) prósopon não são encontradas no Novo Testamento, mas estão na Septuaginta nas seguintes passagens (somente): Gn.32:20; Dt.5:4; 34:10; Jz.6:22; Ez.20:35; cf. Êx. 33:11; e Gurdem, Gift of Prophecy, p.213.
[6] Turner, “Spiritual Gifts and Now”, p.39.
[7] Contra J. R. McRay, “To Teleion em 1 Cor 13:10”, Restoration Quartely 14 (1971): p.168-83.
[8] Veja Conzelmann, First Corinthians.
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Extraído de:
CARSON, D. A. A manifestação do Espírito. A contemporaneidade dos dons à luz de 1Coríntios 12–14. São Paulo: Vida Nova, 2013, p.72-74.
Na minha opinião, essa terceira posição tem fortes evidências a seu favor. Entre os fatores mais importantes, estão estes:
(1) É difícil acreditar que Paulo esperasse que os Coríntios pensassem que, ao se referir à “perfeição”, ele fazia alusão ao fechamento da Escritura.
(2) O mais importante é o versículo 12b. A perfeição implica num estado de coisas em que o meu conhecimento é, de certa forma, comparável ao presente conhecimento que Deus tem de mim: “conhecerei como sou plenamente conhecido [a saber, por Deus]”. Isso não significa que Paulo espera obter onisciência, mas “que, na consumação, ele espera ser liberto dos enganos e das inabilidades, que fazem parte da vida presente, para o entendimento (especialmente para o entendimento de Deus e de sua palavra). Seu conhecimento refletirá o atual conhecimento que Deus tem dele, pois não haverá nele imprecisões falsas e, além disso, não estará limitado ao que é possível perceber nesta era” [1]. O foco de Paulo não é que os dons carismáticos desaparecerão por causa de sua fraqueza ou falha intrínseca. Seu argumento é baseado “no fundamento daquilo que está por vir” [2]. Nas memoráveis palavras de Barth, “quando o sol se levanta, todas as luzes se apagam” [3]. Quando aquele maravilhoso conhecimento de Deus se tornar o nosso, o propósito dos dons, tais como profecia, conhecimento e línguas, desaparecerá: que possível serventia eles ainda poderiam ter?
(3) Certamente não menos importante é o versículo 12a. Agora vemos “como que por um espelho, de modo obscuro”: a expressão sugere uma revelação divina ainda indistinta ou embaraçada [4]; contudo, quando a “perfeição” vier, “veremos face a face” — quase que uma fórmula para a teofania na Septuaginta [5], é portanto quase certo que é uma referência ao novo estado trazido pela parúsia. Como Turner observa, a referência à parúsia é “tão clara que Calvino pôde dizer: ‘É uma estupidez que as pessoas façam com que toda essa discussão se aplique ao tempo intermediário’. Não importa o quanto respeitemos o cânon do Novo Testamento, ele só pode ser acusado do mais absurdo exagero no versículo 12, se é disso que Paulo está falando” [5].
(4) A força do versículo 12, de forma semelhante, elimina a sugestão de que “perfeição” se refira (como em Efésios) à união de judeus e gentios em um homem único e “perfeito”. Esse tema é irrelevante para o contexto de 1 Coríntios 13 [6]. Na verdade, qualquer maturidade anterior à parúsia simplesmente torna a linguagem do versículo 12 um tanto trivial.
(5) O versículo 11 também traça um nítido contraste. Apesar de o contraste adulto/criança ser uma técnica retórica padrão no mundo antigo [7], sua aplicação específica aqui exige um salto considerável da infância para a fase adulta. Argumentar que a experiência e a maturidade espiritual da igreja primitiva antes da conclusão do cânon da mesma forma que a experiência do falar e do entendimento infantil está para a da fase adulta é uma total falta de senso histórico.
(6) Se for verdade que a palavra para “perfeição” não é usada em mais nenhum outro lugar para falar do completo estado de coisas trazido pela parúsia, também é verdade que ela quase sempre ocorre como um adjetivo. Somente aqui ela é um substantivo articular neutro, e é provável que tenha sido criada precisamente para servir de contraste ao “que é parcial” ou “imperfeito”.
(7) A interpretação de que Paulo se refere à conclusão do cânon depende do entendimento da profecia do Novo Testamento e de outros dons revelacionais como tendo o mesmo significado de revelação e autoridade que a profecia do Antigo Testamento. Se esse pressuposto for questionado — e eu tentarei fazê-lo no próximo capítulo —, então há bem menos pressão teológica para adotar essa postura.
Nada disso, é claro, sugere que Paulo esteja interessado em estabelecer e frequência ideal e relativa da profecia na igreja; também ainda não mencionamos as objeções históricas que argumentam que os dons de profecias e línguas realmente cessaram. Por ora, essas questões são irrelevantes. Nesses versículos, Paulo estabelece o fim desta era como o tempo em que esses dons deverão ser finalmente abolidos.
Notas:
[1] Grudem, Gift of Prophecy, 213.
[2] Günther Bornkamm, Early Christian Experience, trad. Paul L. Hammer (Londres: SCM, 1969), p.184-85.
[3] Karl Barth, The Ressurection of the Dead, trad. H. J. Stenning (Nova York: Arno, 1977), p.81.
[4] A combinação de di esóptrou en ainigmati já provocou considerável discussão. Provavelmente abrange uma alusão a Nm. 12:6-8 (veja Grudem, Gift of Prophecy, p.145-46 n.53). Seja pela qualidade inferior dos espelhos no mundo antigo, seja pelo ângulo de visão, os espelhos somente podem prover uma imagem indireta e incompleta da realidade. A segunda frase preposicional provavelmente não significa que a revelação já dada seja enigmática, misteriosa quanto ao seu sentido, completamente incompreensível, mas simplesmente indistinta. Veja inter alios Wilfrid L. Knox, St. Paul and the Chruch of the Gentiles (Cambridge: Cambridge University Press, 1961), 121; Nobert Hungedé, La Métaphore du Miroir dans les Epîstres de saint Paul aux Corinthiens (Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1957); David H. Gill, “Through a Glass Darkly: A Note on 1 Corinthians 13,12”, Catholic Biblical Quarterly 25 (1963): 427-29; Frederick W. Danker, “Postscript on 1 Corinthians 13,12”, Catholic Biblical Quarterly 26 (1964): 248; Grudem, Gift of Prophecy, 144-47. Contra R. Seaford, “1 Corinthians XIII.12”, Journal of Theological Studies 35 (1984): 117-20, não é nada claro que haja uma alusão direta às religiões de mistério.
[5] As palavras prósopon pròs (ou katà) prósopon não são encontradas no Novo Testamento, mas estão na Septuaginta nas seguintes passagens (somente): Gn.32:20; Dt.5:4; 34:10; Jz.6:22; Ez.20:35; cf. Êx. 33:11; e Gurdem, Gift of Prophecy, p.213.
[6] Turner, “Spiritual Gifts and Now”, p.39.
[7] Contra J. R. McRay, “To Teleion em 1 Cor 13:10”, Restoration Quartely 14 (1971): p.168-83.
[8] Veja Conzelmann, First Corinthians.
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Extraído de:
CARSON, D. A. A manifestação do Espírito. A contemporaneidade dos dons à luz de 1Coríntios 12–14. São Paulo: Vida Nova, 2013, p.72-74.
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