por Don Codling
Tendo indicado que existe evidência positiva para a ocorrência de dons revelacionais, o próximo passo é esboçar uma teologia coesa e bíblica que admita sua presente existência. Nenhuma sistematização aceitável que inclua um lugar para dons revelacionais foi encontrada na preparação deste estudo. A mais próxima foi a de D. L. Gelpi, marcada principalmente por seus princípios sacramentais Católicos Romanos[1].
Para este esboço, iniciaremos aceitando as doutrinas cristãs básicas mantidas na Confissão de Westminster e seus Catecismos. Isso deve ser necessário para corrigir a parte itálica da CFW I:1: “foi o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e propagação da verdade [...] foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isto torna indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles antigos modos de revelar Deus a sua vontade ao seu povo”.
Embora alguns argumentem que isto deveria ser aplicado apenas em tentativas de acrescentar ou alterar as Escrituras, parece claro que isso especifica a cessação da profecia[2]. No entanto, devemos notar que dois dos principais personagens na Assembleia de Westminster claramente criam na revelação contínua. George Gillespie escreveu:
Rutherford escreve de maneira similar. Segundo ele,
Quando dois ilustres líderes da Assembleia de Westminster mantiveram a visão de que a revelação especial continua, devemos ser bastante cautelosos sobre qualquer interpretação da Confissão que negue essa visão.
Além disso, como já vimos, tantos quantos mantém a crença de que a Confissão de Westminster “não abre espaço para qualquer tradição humana autoritativa ou nova revelação”[5], deve incluir premissas que não são baseadas nas Escrituras ou despreza alguns dos ensinamentos da Bíblia para apoiar sua visão. Isto significa que eles mesmos estão em conflito com o ensino da Confissão nas próprias palavras direcionadas a tantos quantos Gaffin se refere, fazendo a seguinte afirmação: “Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela” (CFW I:6). A posição deles faz a Confissão ser autocontraditória neste assunto. É melhor compreender que a Confissão não está rejeitando revelações e tradições, mas qualquer adição à Escritura pela revelação e tradição.
Para evitar problemas, nós devemos ser claros sobre o que nós pretendemos ao dizer que o cânon da Escritura está fechado. Revelação canônica é aquela destinada para formar e tornar-se Bíblia e consiste na lista de livros que possuem revelação para toda a igreja em todos os tempos. Esta é a autoridade comprovada do nosso entendimento de Deus e seus caminhos para nós, “tudo quanto o homem deve crer a respeito de Deus, e o que Deus exige do homem”[6]. É suficiente “para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda boa obra” (2Tm.3:17). Nada mais é necessário para qualquer pessoa servir a Deus perfeitamente. Além disso, a lista está ligada aos apóstolos e à sua autoridade de tal maneira que, após a morte daqueles, nenhuma Escritura autorizada se fez necessária.
Talvez alguns objetem que toda a revelação é canônica, porque o cânon significa autoridade. Por exemplo, Richard Gaffin escreveu, “o cânon, afinal, não é apenas uma designação literária ou termo de catalogação. Ele evoca conotações de autoridade. O cânon é todo e qualquer lugar em que eu encontre a inspirada Palavra de Deus hoje. Se discursos inspirados continuam hoje, então, tal qual nosso cânon, a Escritura não está completa; não importa o quão elevado nós vemos de outra forma, a Bíblia é senão uma parte daquele cânon”[7]. Mas com tal definição, o cânon deixa de ter qualquer ligação com a Escritura, a menos que primeiramente se prove que todas as revelações de Deus são encontradas nas Escrituras. Temos visto que não é esse o caso. Assim como a autoridade, o cânon deve reter o sentido da lista de livros que compõem a Bíblia. A confusão entre esses dois sentidos é uma das falhas marcantes dos argumentos de que dons revelacionais cessaram com a finalização das Escrituras.
Dada essa definição do cânon como sendo a lista fechada dos livros autoritativos que formam a Bíblia, a primeira questão a ser encarada é a relação entre os dons revelacionais contínuos e a Bíblia. A relação não pode ser competitiva, mas de complementariedade. Em ambos os casos as revelações vêm da parte de um Deus verdadeiro, que não contradiz a si mesmo, e que estabeleceu seu pacto com o homem de forma fixa na Bíblia. Em vista da discussão do cânon da Escritura no capítulo dois, fica claro que qualquer revelação recebida hoje não deve fazer parte da revelação canônica. Uma nova revelação seria limitada à situação na qual foi dada. Isso não significa negar que esta seja autoritativa, de fato, são igualmente autênticas com alguma outra revelação. No entanto, autoridade e canonicidade não são coisas idênticas. Nada deve ser adicionado à revelação normativa do pacto que forma as Escrituras canônicas; mas dentro dos limites estabelecidos por essa revelação, a Palavra de Deus para os homens deve ainda vir por meio de dons revelacionais. Se assim vem, deve ser obedecida.
Isso implica que a Bíblia deve ser a primeira e primária fonte de onde os cristãos devem buscar informação e direção. Esse é o padrão que governa o relacionamento do homem com Deus dentro da aliança divina, ou em oposição a ela. Ainda se os dons de profecia fossem inegavelmente exercidos na sua igreja hoje, o cristão não poderia contar com informações por meio deles, para guia-lo em suas atividades ordinárias. Deus deve escolher dar tais governos através dos dons, mas a Bíblia é a fonte comum do cristão para informação sobre Deus e sua vontade. Os dons de Deus não foram designados para substituir a Bíblia de Deus.
A Bíblia indica que o exercício de dons revelacionais está intimamente ligado com a obra do reino de Cristo e enquanto eles estavam frequentemente sendo usados para governar as escolhas humanas nas áreas indiferentes, ou seja, aquelas em que um homem deve ter diversas possibilidades as quais não envolvam transgressão da lei canônica, apenas raramente é que tais governos seriam aplicáveis às atividades cotidianas dos negócios e da vida social dos homens. No entanto, os dons eram sempre usados para apontar o pecado do homem em tais áreas. O uso mais comum dos dons de governo era para direcionar homens em atividades específicas que se referem diretamente ao avanço do reino. Por outro lado, mesmo nessas questões, parece-nos claro que a orientação reveladora especial não era mantida como ordinária, mas extraordinária. Os cristãos imaginam o direcionamento da Escritura e a inteligência a qual os deu, não para contar com intervenção especial. Paulo planejou ir para a Ásia, até o Espírito de Deus impedir de fazê-lo (At.16:6). Embora Deus possa graciosamente dar direcionamento através de dons revelacionais, seu Espírito usualmente nos direciona através das Escrituras.
Os dons revelacionais são comunicados aos homens pelo Espírito Santo, no entanto, na história bíblica ele também concedeu dons a alguns homens que, aparentemente, não eram escolhidos, tais como Judas e Balaão. Porém, normalmente os dons seriam concedidos apenas aos regenerados. As Escrituras são muito claras em ensinar que todos os cristãos receberam o Espírito Santo[8].
Devemos dizer também que há apenas um único recebimento do Espírito Santo. 1Coríntios 12:13 afirma que todos os cristãos foram batizados no corpo de Cristo pelo Espírito Santo. O batismo “no” ou “com” o Espírito Santo é o começo da vida cristã[9]. Não é algo que virá posteriormente a uma pessoa que já foi atraída para Cristo pelo Espírito Santo. Contrário às afirmações de alguns[10], a linguagem usada é importante porque ele põe nosso pensar na direção correta. Quando seguimos o padrão bíblico ao afirmarmos que todo cristão foi batizado no Espírito Santo no instante em que ele ou ela nasceram de novo, então entenderemos que todo cristão têm a raiz dos dons espirituais, bem como da santificação. Assim, não há nenhuma tentação de superenfatizar o recebimento ou o desenvolvimento de algum dom espiritual. Isso é simplesmente parte do amadurecimento normal de um cristão, no qual alguns sobressaem numa coisa, enquanto outros, noutras, de acordo com o que são alimentos e equipados por Deus. Assim como uma criança pode crescer normalmente ou em capacidade, embora idealmente deva crescer em ambos, assim, um pequenino cristão deve amadurecer em ambas, santificação e capacidade para o ministério com poder, mas ele crescerá apenas ou principalmente, em apenas uma delas, para seu próprio prejuízo, bem como da igreja. No entanto, se a criança não nasceu, ela não cresceu em nenhum aspecto, quer falemos de nascimento natural ou espiritual.
Enquanto uma pessoa é batizada no Espírito Santo uma vez por todas, ele ou ela deve ser cheio do Espírito (At.4:31). Uma tentativa de explicação para isso é que cristãos pecaminosos vivem num nível mais baixo do que o batismo deles no Espírito possibilita-lhes[11]. Às vezes o Espírito vem sobre o cristão dramaticamente em sua obra santificadora num novo enchimento. Às vezes, também, vem com novo poder para fazer sua obra. Tais enchimentos não são marcas de uma cristandade superior, nem sequer necessariamente de progresso individual. Eles nada dizem sobre maturidade cristã em relação a outros cristãos. Os coríntios abundaram em dons espirituais, mas abundou também a crítica de Deus concernente a imaturidade espiritual deles! Os dons conferidos pelo Espírito Santo são uma santa verdade para ser usada com vistas à própria edificação e à igreja. Entretanto, como já foi dito, os mesmos estão sujeitos a testes e controles através das Escrituras.
Os dons revelacionais, e, de fato, todos os dons do Espírito, são bênção do reino de Jesus ao seu povo. Eles todos são manifestações de seu reino, evidência da presença deste, e essencialmente útil em sua edificação. Isso implica que eles existem apenas para a glória de Cristo. Tais homens, como Simão o mago (At.8), cujo desejo por tais dons era para sua própria honra, devem ser corrigidos e se necessário, removidos da igreja. Se alguém não usa um dom para edificar o povo de Deus, deve ser censurado.
Devemos igualmente considerar o fato de que na história bíblica o mais proeminente exercício dos dons ora considerados ocorreu nos tempos de maior fraqueza da igreja. Havia abundância de revelação verbal e milagres nos tempos de Moisés, quando Israel teve de ser libertado da escravidão e parecia que a fé em Deus havia sido em grande parte perdida. Novamente nos tempos de Elias e Eliseu nós vemos muitos milagres proeminentes, quando o povo de Deus estava caindo em adoração a Baal. No cativeiro nós vemos Deus trabalhando proeminentemente com Daniel e seus amigos, assim como com Ester. Então, no tempo da formação da igreja neotestamentária, o tempo de Cristo e dos apóstolos, Deus operou muitos milagres para a edificação de seu povo. Alguns têm sugerido que os milagres ocorrem onde há grande fé, mas quando vindo da Bíblia, em vez disso, acontecem onde há grande necessidade de fé. Quando Cristo enviou os apóstolos para pregar (Lucas 9) e mais tarde igualmente os setenta (Lucas 10), recomendou-lhes não tomar consigo proteção ou suprimento algum, mas a depender de Deus para prover-lhes por meio do povo a quem eles ministravam. Em Lucas 22:35-36, Jesus disse aos apóstolos que enquanto aprendiam acerca do poder de Deus que lhes provia apesar de qualquer coisa que fizessem, esse não seria o modo normal que ele os manteria. Depois disso, todos deveriam tomar seu dinheiro, suas roupas, sua comida e suas armas. O padrão normal é que eles trabalhem para sobreviver, não que eles dependam dos milagres para sua provisão. Cristo não estava dizendo-lhes que jamais realizaria milagres para eles, mas que não deveriam depender de milagres, visto que milagres eram a exceção e não a regra da vida cristã. Não deveria nos surpreender o fato de que há longos períodos com pequenas manifestações desses dons, nem vê-los aparecer no campo missionário ou nos tempos quando a igreja decaiu sobremaneira.
Há muitos dons listados em diferentes lugares no Antigo e Novo Testamentos. Não há razão para crer que as listas são exaustivas, e nem mesmo para crer que eles estão em operação a qualquer momento. Não há dom algum que o cristão deva imaginar possuir, nem que haja qualquer dom presumido como que a maioria dos cristãos possua. Os dons são dados por Deus por ministério do Espírito Santo segundo o seu propósito. Os cessacionistas erraram ao rejeitar os dons revelacionais em favor dos outros; os pentecostais erraram na direção oposta ao enfatizar milagres, profecias e línguas em detrimento do ensino, misericórdia, administração e tais dons. Enquanto cristãos são exortados a buscar os mais excelentes dons, não é garantido que eles receberão o dom especial de maior valor diante de seus olhos. O mais estimado dom para qualquer homem é o dom que Deus escolheu outorgar-lhe. Esses dons que parecem menos estimados são também necessários e será dada devida honra da maneira como são adequadamente exercidos (1Co.12:22ss). Apesar de Paulo estabelecer uma ordem de importância para determinados dons (1Co.12:28), é pecaminoso exaltar homens, ou os homens buscarem exaltação por causa de seus dons particulares. Na igreja de Cristo, aquele que a si mesmo se humilha, esse será exaltado. Os dons não devem ser a base para dividir os irmãos em classes.
Nossa ênfase como cristãos não deve estar em nossos dons, mas em nosso crescimento e maturidade em Cristo. Até nosso choro é “Senhor, santifica-me; eu não me importo com o recebimento de poder; eu preciso tornar-me mais santo”, portanto, enfatizar sobremodo os dons miraculosos é prejudicial para a vida cristã. Tão somente aumenta o orgulho, enquanto o amadurecimento é essencialmente uma questão de santificação. É possível termos dons miraculosos, mas ainda agir como uma criança gloriando-se nos dons, como a igreja dos coríntios.
CODLING, Don. Sola Scriptura e os Dons de Revelação. Natal, RN: Editora Carisma, 2016, p.178-187.
Tendo indicado que existe evidência positiva para a ocorrência de dons revelacionais, o próximo passo é esboçar uma teologia coesa e bíblica que admita sua presente existência. Nenhuma sistematização aceitável que inclua um lugar para dons revelacionais foi encontrada na preparação deste estudo. A mais próxima foi a de D. L. Gelpi, marcada principalmente por seus princípios sacramentais Católicos Romanos[1].
Para este esboço, iniciaremos aceitando as doutrinas cristãs básicas mantidas na Confissão de Westminster e seus Catecismos. Isso deve ser necessário para corrigir a parte itálica da CFW I:1: “foi o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e propagação da verdade [...] foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isto torna indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles antigos modos de revelar Deus a sua vontade ao seu povo”.
Embora alguns argumentem que isto deveria ser aplicado apenas em tentativas de acrescentar ou alterar as Escrituras, parece claro que isso especifica a cessação da profecia[2]. No entanto, devemos notar que dois dos principais personagens na Assembleia de Westminster claramente criam na revelação contínua. George Gillespie escreveu:
E agora, tendo ocasião, eu tenho que dizer isto, para a glória de Deus, houve na Igreja da Escócia, antes do tempo da nossa primeira Reforma e depois da Reforma, em ambas as ocasiões tais homens extraordinários, que foram mais que pastores e mestres comuns, sim, santos profetas recebendo revelações extraordinárias de Deus e predizendo diversas coisas incomuns e acontecimentos notáveis, as quais por conseguinte se cumpriram pontualmente, para grande admiração de todos que conheciam os detalhes delas. Tais foram o mártir Sr. Wishart, o reformador Sr. Knox, também Sr. John Welsh, Sr. John Davidson, Sr. Robert Bruce, Sr. Alexander Simpson, Sr. Ferguson, e outros. Tomaria muito tempo fazer aqui uma narrativa de todos os detalhes, e há tantos deles que são estupendos que fornecer exemplos somente de alguns parece derrogar dos demais, mas se Deus me conceder oportunidade, considero que valerá a pena fazer uma coleção desses eventos; enquanto isso, embora tais profetas sejam extraordinários, e raramente suscitados na igreja, ainda tais existiram, ouso dizer, não somente na era apostólica, mas entre os nossos primeiros reformadores e outros [3].
Rutherford escreve de maneira similar. Segundo ele,
Há uma terceira categoria de revelação de alguns homens em particular que predisseram coisas futuras até mesmo após a finalização do cânon da Palavra tais como John Hus, Wycliffe, Lutero, que predisseram coisas futuras, e elas certamente aconteceram. E em nossa nação da Escócia, o Sr. George Wishart predisse que o Cardeal Beaton não sairia vivo pelos portões do Castelo de St. Andrews, mas que lhe sobreviria uma morte vergonhosa; e ele, Beaton, foi suspenso em cima da janela por meio da qual olhou para fora, quando viu Wishart queimando. John Knox predisse o enforcamento do Lord de Grange; Sr. John Davidson proferiu profecias conhecidas a muitos do reino, e diversos pastores santos e modestos na Inglaterra fizeram coisas semelhantes [4].
Quando dois ilustres líderes da Assembleia de Westminster mantiveram a visão de que a revelação especial continua, devemos ser bastante cautelosos sobre qualquer interpretação da Confissão que negue essa visão.
Além disso, como já vimos, tantos quantos mantém a crença de que a Confissão de Westminster “não abre espaço para qualquer tradição humana autoritativa ou nova revelação”[5], deve incluir premissas que não são baseadas nas Escrituras ou despreza alguns dos ensinamentos da Bíblia para apoiar sua visão. Isto significa que eles mesmos estão em conflito com o ensino da Confissão nas próprias palavras direcionadas a tantos quantos Gaffin se refere, fazendo a seguinte afirmação: “Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela” (CFW I:6). A posição deles faz a Confissão ser autocontraditória neste assunto. É melhor compreender que a Confissão não está rejeitando revelações e tradições, mas qualquer adição à Escritura pela revelação e tradição.
Para evitar problemas, nós devemos ser claros sobre o que nós pretendemos ao dizer que o cânon da Escritura está fechado. Revelação canônica é aquela destinada para formar e tornar-se Bíblia e consiste na lista de livros que possuem revelação para toda a igreja em todos os tempos. Esta é a autoridade comprovada do nosso entendimento de Deus e seus caminhos para nós, “tudo quanto o homem deve crer a respeito de Deus, e o que Deus exige do homem”[6]. É suficiente “para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda boa obra” (2Tm.3:17). Nada mais é necessário para qualquer pessoa servir a Deus perfeitamente. Além disso, a lista está ligada aos apóstolos e à sua autoridade de tal maneira que, após a morte daqueles, nenhuma Escritura autorizada se fez necessária.
Talvez alguns objetem que toda a revelação é canônica, porque o cânon significa autoridade. Por exemplo, Richard Gaffin escreveu, “o cânon, afinal, não é apenas uma designação literária ou termo de catalogação. Ele evoca conotações de autoridade. O cânon é todo e qualquer lugar em que eu encontre a inspirada Palavra de Deus hoje. Se discursos inspirados continuam hoje, então, tal qual nosso cânon, a Escritura não está completa; não importa o quão elevado nós vemos de outra forma, a Bíblia é senão uma parte daquele cânon”[7]. Mas com tal definição, o cânon deixa de ter qualquer ligação com a Escritura, a menos que primeiramente se prove que todas as revelações de Deus são encontradas nas Escrituras. Temos visto que não é esse o caso. Assim como a autoridade, o cânon deve reter o sentido da lista de livros que compõem a Bíblia. A confusão entre esses dois sentidos é uma das falhas marcantes dos argumentos de que dons revelacionais cessaram com a finalização das Escrituras.
Dada essa definição do cânon como sendo a lista fechada dos livros autoritativos que formam a Bíblia, a primeira questão a ser encarada é a relação entre os dons revelacionais contínuos e a Bíblia. A relação não pode ser competitiva, mas de complementariedade. Em ambos os casos as revelações vêm da parte de um Deus verdadeiro, que não contradiz a si mesmo, e que estabeleceu seu pacto com o homem de forma fixa na Bíblia. Em vista da discussão do cânon da Escritura no capítulo dois, fica claro que qualquer revelação recebida hoje não deve fazer parte da revelação canônica. Uma nova revelação seria limitada à situação na qual foi dada. Isso não significa negar que esta seja autoritativa, de fato, são igualmente autênticas com alguma outra revelação. No entanto, autoridade e canonicidade não são coisas idênticas. Nada deve ser adicionado à revelação normativa do pacto que forma as Escrituras canônicas; mas dentro dos limites estabelecidos por essa revelação, a Palavra de Deus para os homens deve ainda vir por meio de dons revelacionais. Se assim vem, deve ser obedecida.
Isso implica que a Bíblia deve ser a primeira e primária fonte de onde os cristãos devem buscar informação e direção. Esse é o padrão que governa o relacionamento do homem com Deus dentro da aliança divina, ou em oposição a ela. Ainda se os dons de profecia fossem inegavelmente exercidos na sua igreja hoje, o cristão não poderia contar com informações por meio deles, para guia-lo em suas atividades ordinárias. Deus deve escolher dar tais governos através dos dons, mas a Bíblia é a fonte comum do cristão para informação sobre Deus e sua vontade. Os dons de Deus não foram designados para substituir a Bíblia de Deus.
A Bíblia indica que o exercício de dons revelacionais está intimamente ligado com a obra do reino de Cristo e enquanto eles estavam frequentemente sendo usados para governar as escolhas humanas nas áreas indiferentes, ou seja, aquelas em que um homem deve ter diversas possibilidades as quais não envolvam transgressão da lei canônica, apenas raramente é que tais governos seriam aplicáveis às atividades cotidianas dos negócios e da vida social dos homens. No entanto, os dons eram sempre usados para apontar o pecado do homem em tais áreas. O uso mais comum dos dons de governo era para direcionar homens em atividades específicas que se referem diretamente ao avanço do reino. Por outro lado, mesmo nessas questões, parece-nos claro que a orientação reveladora especial não era mantida como ordinária, mas extraordinária. Os cristãos imaginam o direcionamento da Escritura e a inteligência a qual os deu, não para contar com intervenção especial. Paulo planejou ir para a Ásia, até o Espírito de Deus impedir de fazê-lo (At.16:6). Embora Deus possa graciosamente dar direcionamento através de dons revelacionais, seu Espírito usualmente nos direciona através das Escrituras.
Os dons revelacionais são comunicados aos homens pelo Espírito Santo, no entanto, na história bíblica ele também concedeu dons a alguns homens que, aparentemente, não eram escolhidos, tais como Judas e Balaão. Porém, normalmente os dons seriam concedidos apenas aos regenerados. As Escrituras são muito claras em ensinar que todos os cristãos receberam o Espírito Santo[8].
Devemos dizer também que há apenas um único recebimento do Espírito Santo. 1Coríntios 12:13 afirma que todos os cristãos foram batizados no corpo de Cristo pelo Espírito Santo. O batismo “no” ou “com” o Espírito Santo é o começo da vida cristã[9]. Não é algo que virá posteriormente a uma pessoa que já foi atraída para Cristo pelo Espírito Santo. Contrário às afirmações de alguns[10], a linguagem usada é importante porque ele põe nosso pensar na direção correta. Quando seguimos o padrão bíblico ao afirmarmos que todo cristão foi batizado no Espírito Santo no instante em que ele ou ela nasceram de novo, então entenderemos que todo cristão têm a raiz dos dons espirituais, bem como da santificação. Assim, não há nenhuma tentação de superenfatizar o recebimento ou o desenvolvimento de algum dom espiritual. Isso é simplesmente parte do amadurecimento normal de um cristão, no qual alguns sobressaem numa coisa, enquanto outros, noutras, de acordo com o que são alimentos e equipados por Deus. Assim como uma criança pode crescer normalmente ou em capacidade, embora idealmente deva crescer em ambos, assim, um pequenino cristão deve amadurecer em ambas, santificação e capacidade para o ministério com poder, mas ele crescerá apenas ou principalmente, em apenas uma delas, para seu próprio prejuízo, bem como da igreja. No entanto, se a criança não nasceu, ela não cresceu em nenhum aspecto, quer falemos de nascimento natural ou espiritual.
Enquanto uma pessoa é batizada no Espírito Santo uma vez por todas, ele ou ela deve ser cheio do Espírito (At.4:31). Uma tentativa de explicação para isso é que cristãos pecaminosos vivem num nível mais baixo do que o batismo deles no Espírito possibilita-lhes[11]. Às vezes o Espírito vem sobre o cristão dramaticamente em sua obra santificadora num novo enchimento. Às vezes, também, vem com novo poder para fazer sua obra. Tais enchimentos não são marcas de uma cristandade superior, nem sequer necessariamente de progresso individual. Eles nada dizem sobre maturidade cristã em relação a outros cristãos. Os coríntios abundaram em dons espirituais, mas abundou também a crítica de Deus concernente a imaturidade espiritual deles! Os dons conferidos pelo Espírito Santo são uma santa verdade para ser usada com vistas à própria edificação e à igreja. Entretanto, como já foi dito, os mesmos estão sujeitos a testes e controles através das Escrituras.
Os dons revelacionais, e, de fato, todos os dons do Espírito, são bênção do reino de Jesus ao seu povo. Eles todos são manifestações de seu reino, evidência da presença deste, e essencialmente útil em sua edificação. Isso implica que eles existem apenas para a glória de Cristo. Tais homens, como Simão o mago (At.8), cujo desejo por tais dons era para sua própria honra, devem ser corrigidos e se necessário, removidos da igreja. Se alguém não usa um dom para edificar o povo de Deus, deve ser censurado.
Devemos igualmente considerar o fato de que na história bíblica o mais proeminente exercício dos dons ora considerados ocorreu nos tempos de maior fraqueza da igreja. Havia abundância de revelação verbal e milagres nos tempos de Moisés, quando Israel teve de ser libertado da escravidão e parecia que a fé em Deus havia sido em grande parte perdida. Novamente nos tempos de Elias e Eliseu nós vemos muitos milagres proeminentes, quando o povo de Deus estava caindo em adoração a Baal. No cativeiro nós vemos Deus trabalhando proeminentemente com Daniel e seus amigos, assim como com Ester. Então, no tempo da formação da igreja neotestamentária, o tempo de Cristo e dos apóstolos, Deus operou muitos milagres para a edificação de seu povo. Alguns têm sugerido que os milagres ocorrem onde há grande fé, mas quando vindo da Bíblia, em vez disso, acontecem onde há grande necessidade de fé. Quando Cristo enviou os apóstolos para pregar (Lucas 9) e mais tarde igualmente os setenta (Lucas 10), recomendou-lhes não tomar consigo proteção ou suprimento algum, mas a depender de Deus para prover-lhes por meio do povo a quem eles ministravam. Em Lucas 22:35-36, Jesus disse aos apóstolos que enquanto aprendiam acerca do poder de Deus que lhes provia apesar de qualquer coisa que fizessem, esse não seria o modo normal que ele os manteria. Depois disso, todos deveriam tomar seu dinheiro, suas roupas, sua comida e suas armas. O padrão normal é que eles trabalhem para sobreviver, não que eles dependam dos milagres para sua provisão. Cristo não estava dizendo-lhes que jamais realizaria milagres para eles, mas que não deveriam depender de milagres, visto que milagres eram a exceção e não a regra da vida cristã. Não deveria nos surpreender o fato de que há longos períodos com pequenas manifestações desses dons, nem vê-los aparecer no campo missionário ou nos tempos quando a igreja decaiu sobremaneira.
Há muitos dons listados em diferentes lugares no Antigo e Novo Testamentos. Não há razão para crer que as listas são exaustivas, e nem mesmo para crer que eles estão em operação a qualquer momento. Não há dom algum que o cristão deva imaginar possuir, nem que haja qualquer dom presumido como que a maioria dos cristãos possua. Os dons são dados por Deus por ministério do Espírito Santo segundo o seu propósito. Os cessacionistas erraram ao rejeitar os dons revelacionais em favor dos outros; os pentecostais erraram na direção oposta ao enfatizar milagres, profecias e línguas em detrimento do ensino, misericórdia, administração e tais dons. Enquanto cristãos são exortados a buscar os mais excelentes dons, não é garantido que eles receberão o dom especial de maior valor diante de seus olhos. O mais estimado dom para qualquer homem é o dom que Deus escolheu outorgar-lhe. Esses dons que parecem menos estimados são também necessários e será dada devida honra da maneira como são adequadamente exercidos (1Co.12:22ss). Apesar de Paulo estabelecer uma ordem de importância para determinados dons (1Co.12:28), é pecaminoso exaltar homens, ou os homens buscarem exaltação por causa de seus dons particulares. Na igreja de Cristo, aquele que a si mesmo se humilha, esse será exaltado. Os dons não devem ser a base para dividir os irmãos em classes.
Nossa ênfase como cristãos não deve estar em nossos dons, mas em nosso crescimento e maturidade em Cristo. Até nosso choro é “Senhor, santifica-me; eu não me importo com o recebimento de poder; eu preciso tornar-me mais santo”, portanto, enfatizar sobremodo os dons miraculosos é prejudicial para a vida cristã. Tão somente aumenta o orgulho, enquanto o amadurecimento é essencialmente uma questão de santificação. É possível termos dons miraculosos, mas ainda agir como uma criança gloriando-se nos dons, como a igreja dos coríntios.
Notas:
[1] GELPI, D. L. Pentecostalism. New York: Paulist Press, 1971.
[2] Veja o argumento em GAFFIN, Richard B. Jr., “A cessationist view”, Are miraculous gifts for today? Grand Rapids: Zondervan, 1996, p.338.
[3] GILLESPIE, George. A Treatise of Miscellany Questions. Edinburgh: Robert Ogle, and Oliver & Boyd, 1844, Cap.V, Sec.VII, p.30..
[4] RUTHERFORD, Samuel. A Survey of Spiritual Antichrist. Londres, 1648, p.42, conforme citada em PRINCE, Greg; DOHMS, Lyndon. A Reformation Discussion of Extraordinary Predictive Prophecy Subsequent to the Closing of the Canon of Scripture. Edmonton, AB: Still Waters Revival Books, 1998, p.12.
[5] GAFFIN, Richard B. Jr., “A cessationist view”, Are miraculous gifts for today?, p.339.
[6] Breve Catecismo de Westminster, 3.
[7] GAFFIN, Richard B. Jr., “A cessationist response to Douglas A. Oss”, Are miraculous gifts for today?, p.293-294.
[8] É também aceito por Pentecostais que defendem o batismo no Espírito Santo pelo menos logicamente como vindo após a conversão. Douglas Oss argumento que a real questão não é a terminologia, mas a substância, “a doutrina Pentecostal de um revestimento com o Espírito Santo e poder distinto da conversão”. Alguém talvez pergunte, se essa é a questão, porque ele não irá abandonar a terminologia que muitos acham antibíblica, e na qual, para dizer o mínimo, é bem aberta a ideia de que há dois tipos de cristãos? Pelo menos compeliria as pessoas a lidarem com a substância ao invés de lidarem com o rótulo.
[9] Nota do Blogger: Para conferir uma objeção à visão defendida por Don Codling, isto é, de que o batismo “no” ou “com” o Espírito Santo não se trata de um revestimento de poder distinto da prórpia regeneração espiritual, acesse: http://dadivaelouvor.blogspot.com.br/2016/05/torcendo-a-escritura-sobre-o-batismo-no-espirito.html
[10] OSS, Douglas A. “A Pentecostal/Charismatic response to C. Samuel Storms”, Are miraculous gifts for today, p.240-241.
[11] STOTT, J. R. W. The Baptism and Fullness of the Holy Spirit. Downers Grove, Ill. Intervarsity Press, 1971, p.34.
[2] Veja o argumento em GAFFIN, Richard B. Jr., “A cessationist view”, Are miraculous gifts for today? Grand Rapids: Zondervan, 1996, p.338.
[3] GILLESPIE, George. A Treatise of Miscellany Questions. Edinburgh: Robert Ogle, and Oliver & Boyd, 1844, Cap.V, Sec.VII, p.30..
[4] RUTHERFORD, Samuel. A Survey of Spiritual Antichrist. Londres, 1648, p.42, conforme citada em PRINCE, Greg; DOHMS, Lyndon. A Reformation Discussion of Extraordinary Predictive Prophecy Subsequent to the Closing of the Canon of Scripture. Edmonton, AB: Still Waters Revival Books, 1998, p.12.
[5] GAFFIN, Richard B. Jr., “A cessationist view”, Are miraculous gifts for today?, p.339.
[6] Breve Catecismo de Westminster, 3.
[7] GAFFIN, Richard B. Jr., “A cessationist response to Douglas A. Oss”, Are miraculous gifts for today?, p.293-294.
[8] É também aceito por Pentecostais que defendem o batismo no Espírito Santo pelo menos logicamente como vindo após a conversão. Douglas Oss argumento que a real questão não é a terminologia, mas a substância, “a doutrina Pentecostal de um revestimento com o Espírito Santo e poder distinto da conversão”. Alguém talvez pergunte, se essa é a questão, porque ele não irá abandonar a terminologia que muitos acham antibíblica, e na qual, para dizer o mínimo, é bem aberta a ideia de que há dois tipos de cristãos? Pelo menos compeliria as pessoas a lidarem com a substância ao invés de lidarem com o rótulo.
[9] Nota do Blogger: Para conferir uma objeção à visão defendida por Don Codling, isto é, de que o batismo “no” ou “com” o Espírito Santo não se trata de um revestimento de poder distinto da prórpia regeneração espiritual, acesse: http://dadivaelouvor.blogspot.com.br/2016/05/torcendo-a-escritura-sobre-o-batismo-no-espirito.html
[10] OSS, Douglas A. “A Pentecostal/Charismatic response to C. Samuel Storms”, Are miraculous gifts for today, p.240-241.
[11] STOTT, J. R. W. The Baptism and Fullness of the Holy Spirit. Downers Grove, Ill. Intervarsity Press, 1971, p.34.
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