terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Nº 57



UMA PESSOA, DUAS NATUREZAS
por Vincent Cheung

Quando nós elaboramos uma formulação para uma doutrina bíblica, não estamos tentando fazer o trabalho da Escritura. A doutrina funciona, não importa o que façamos. Ela funciona porque vem de Deus e porque ela descreve Deus. Ela funciona porque é a verdade. Ela é o que é, e é verdadeira, independentemente de sabermos se podemos chegar a uma formulação adequada para ela. O objetivo da formulação teológica é encontrar uma forma de comunicar a doutrina. Em nenhum momento é a própria Escritura que está em risco, pois a sua verdade não depende da nossa formulação. Claro, uma elaboração herética coloca em risco os seus adeptos, mas a própria Escritura nunca irá sofrer danos.

Pessoa

Cristo é uma pessoa. Ele nunca disse, ou implicou dizer, ser algum tipo de eles, e ele nunca foi retratado como uma pessoa que se comunicava com outra pessoa. Não existe nenhum exemplo no qual Cristo, homem, orou ao Deus Filho, ou qualquer coisa do tipo. Baseado na forma que ele foi conhecido, na maneira que ele se referiu a si mesmo e na maneira que ele se comportou, não há nenhuma razão para pensar que ele não fosse uma pessoa apenas.

Nós adicionamos à premissa uma pessoa a ideia de que Cristo deve ter duas naturezas, uma humana e uma divina, e, depois, a ideia de que cada natureza deve incluir uma mente que está de acordo com sua natureza; uma mente humana e uma mente divina. Mas acima de tudo isso, se somarmos isso a ideia de que uma mente, ou um centro de consciência, é necessariamente uma pessoa em si, então devemos concluir que existem duas pessoas. No entanto, existe uma formulação que mantém o ponto de vista que Cristo é uma pessoa, com dois centros de consciência. Como veremos, a necessidade de chegar a essa formulação não é arbitrária, mas necessária em virtude dos dados bíblicos.

Esta formulação começa com a definição de que uma pessoa é um sistema de consciência, não um centro de consciência. Cada sistema poderia conter somente um ou vários centros de consciência. Na encarnação, o Filho de Deus assumiu uma mente humana, de tal maneira que a mente humana está contida pela mente divina, embora não estivesse misturada ou confundida com esta. A mente divina teria acesso e controle completo sobre a mente humana, mas não vice-versa. Desde que não haja nada intrinsecamente impossível em relação a isso, e que acomode os dados bíblicos, esta seria uma boa formulação.

Analogia

Consideremos uma analogia. Advertimos que uma analogia é limitada, adequada apenas para um fim específico, e grosseiramente enganosa quando tomada fora do seu contexto, porque isso envolverá uma doença que é uma disfunção mental de seres humanos, embora não houve uma disfunção mental em Cristo. Dito isto, considere o caso do distúrbio de personalidade múltipla numa pessoa humana. De fato, há vários centros de consciência, mas, ainda assim, ela é uma pessoa. A analogia é particularmente apropriada caso haja de fato uma abrangente ou nobre personalidade.

Minha mente “contém” lembranças de minha infância, entre outras coisas, mas é apenas um centro de consciência. Minha mente pode “conter” outro centro de consciência, com as suas próprias memórias, e num homem isso seria uma disfunção mental. O centro original da consciência é a figura principal. O que é “contido” é dependente do que a contém, e não vice-versa.

Cristo tem uma mente humana que é contida pela mente divina: o Logos. Não há nenhuma disfunção mental, porque a analogia quebra neste momento, de tal forma que os dois casos se tornam categoricamente divergentes. A personalidade privilegiada em Cristo é a mente divina e, ao contrário da personalidade privilegiada no homem, essa personalidade principal é Deus - perfeito em poder e inteligência. Deus Filho, a mente divina, no controle total e com plena consciência - não há uma disfunção mental - assumiu um centro de consciência humana, sem se misturar ou confundir com ele, mas contendo ele de uma forma que Cristo em sua forma encarnada pode dizer “Eu” e estar totalmente se referindo a uma ou ambas mentes.


Esta formulação permite afirmar que Cristo tenha uma mente humana e uma mente divina, dois centros de consciência, duas mentes que não estão nem misturadas, nem confundidas, e que ele continua sendo uma pessoa.

Sistema

Podemos voltar para o caso do homem com distúrbio de personalidade múltipla para ilustrar porque faz sentido definir uma pessoa como um sistema mental. Ele tem mais do que um centro de consciência, mas ele ainda é uma pessoa, porque os vários centros de consciência estão sob um abrangente único (estamos falando relativamente, porque a única razão que conta é a de Deus, em respeita-lo como uma pessoa, e salvá-lo ou condená-lo como uma pessoa). As personalidades não existem independentemente, e elas poderiam ser destruídas sem matar o homem e sem apagar a personalidade privilegiada, e assim as suas personalidades devem ser tomadas como um todo - como um “sistema”.

Com a Trindade não é dessa forma, uma vez que os membros da Trindade podem, e devem, ser distinguidos de uma forma diferente dessa personalidade múltipla dentro de uma pessoa humana. Os três não são presumivelmente dependentes um do outro, de modo que a personalidade secundária de uma pessoa com personalidade múltipla dependeria da personalidade original.

Existem três sistemas em funcionamento uníssono, cada um possuindo a plenitude da divindade. Cada um destes sistemas possui, presumivelmente, apenas uma personalidade. Deus Filho assumiu um centro de consciência humana, mas sem que este se confundisse ou se misturasse com a sua consciência divina. Então, na Trindade, como tal, continua havendo apenas três centros de consciência, uma vez que a natureza humana de Cristo nunca foi deificada.


Deste modo, a definição de uma pessoa como um sistema de consciência ao mesmo tempo acomoda tanto a natureza da Trindade quanto a natureza de Cristo - um em essência, três em pessoas - mesmo que a pessoa do Filho possua tanto uma natureza divina quanto uma natureza humana.


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Extraído de:
http://www.vincentcheung.com/2015/09/09/one-person-two-natures/

Traduzido por: Dione Cândido Jr.

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