sexta-feira, 25 de março de 2016

Nº 04




UMA AVALANCHE CASCATEANDO ESTRUME DE CAVALO 
por Vincent Cheung

“Foi dito que devemos crer que os dons do Espírito continuam a não ser que a Bíblia declare que eles cessaram. Um cessacionista respondeu: ‘Então, onde na Escritura se faz cessar o dom de apostolado? Onde na Escritura se faz cessar o dom de escrever a Escritura? Onde na Escritura se faz cessar o método de decidir a vontade do Senhor no lançamento de sortes? A não ser que desejem fazer essas coisas literalmente, os carismáticos devem parar de pensar que eles são como a igreja do primeiro século. Os carismáticos acreditam que certas coisas cessaram também, e é hipocrisia deles fingir que estão apenas lendo as Escrituras”

“Dom” de Apostolado

Um argumento comum para o cessacionismo reivindica que o “dom” de apostolado cessou e que a cessação de outros dons resulta disso. Isso tem sido chamado de argumento “em cascata”, ou como eu lhe chamo, Loser’s Slippery Slope of Unbelief (LOSSOU) [1].

Uma das principais razões para que os pobres apóstolos sejam arrastados para essa discussão o tempo todo é por causa da suposição de que eles eram únicos, possuíam autoridade suprema, infalibilidade constante, e que seus escritos estavam inseparavelmente ligados com a escrita da Bíblia. Portanto, se os cessacionistas assumem que a Escritura está completa eles devem finalizar os apóstolos.

No entanto, eles não entenderam os apóstolos, e fizeram com eles pequenos deuses. Estes nunca possuíram autoridade suprema, de modo que até mesmo os crentes e os anciãos poderiam responsabilizá-los e obrigá-los a oferecer uma defesa por seus atos, como quando pregavam aos gentios. Eles não eram constantemente infalíveis - Pedro comprometeu o evangelho de tal modo que mesmo alguns novos convertidos se recusariam fazer hoje, e Paulo teve de repreendê-lo na frente de todos (Gálatas 2:11-14).

Isso não é problema para a inspiração da Escritura a menos que assumamos que os apóstolos - não Deus - foram os autores da Escritura, ou que tiveram um papel tão decisivo que o próprio Deus não poderia ter produzido uma Escritura infalível através deles a menos que esses homens fossem também infalíveis. A idolatria cessacionista realmente dói à inspiração da Escritura. A principal tarefa dos apóstolos não era escrever a Escritura, e a maioria deles não escreveu Escritura. Ademais, assim como grande parte do Antigo Testamento não foi escrito por profetas, grande parte do Novo Testamento não foi escrito por apóstolos.

Apesar de, geralmente, fazermos generalizações inofensivas de que os apóstolos e profetas escreveram a Bíblia, porções significativas não foram escritas por eles, ou não foram reconhecidas como escrita deles. Para resolver isso, algumas pessoas inventam o princípio de que esses documentos foram, no entanto, escritos por aqueles que estavam intimamente associados com os apóstolos e profetas. No entanto, eles arbitrariamente determinam esse princípio, sem justificativa, e eles também decidem arbitrariamente como esses outros autores precisam ser estreitamente associados com os apóstolos e profetas. Além disso, as relações desses autores com apóstolos, escribas, e profetas, são muitas vezes incertas e oferecem uma base frágil para dar peso a algo como sendo inspiração divina. Toda a dificuldade é auto infligida devido à falsa suposição de que cada palavra na Bíblia deve ser escrita ou aprovada por apóstolos e profetas.

Uma vez que ressaltamos ser Deus o autor, exatamente o único autor real, então torna-se evidente que a questão de autoria humana é incapaz de prejudicar a inspiração da Escritura, porque não tem nenhuma relevância decisiva em primeiro lugar. Deus pode escrever em tábuas de pedras, falar por meio de uma voz do céu, fazer um burro falar, fazer pedras clamar, ou mover um homem a escrever suas palavras. Deus é aquele que fala e escreve. Embora muitas vezes ele usou os apóstolos e profetas, ele poderia causar alguma coisa para acontecer através de qualquer pessoa que ele escolhesse. Pelo seu Espírito, ele tomou conta de vários homens e os levou a escrever as suas palavras. Então, por sua providência, ele protegeu esses documentos e os compilou em um volume final.

A teoria tradicional de inspiração evangélica é falha, e tem como base uma visão idólatra de apóstolos. Quando nós descartarmos tudo isso e colocamos a Bíblia com Deus, e somente Deus, todos os problemas desaparecem. Assim a inspiração se aplica a toda Bíblia não porque tudo isso foi escrito ou aprovado por apóstolos e profetas, mas porque tudo isso foi escrito por Deus.

Toda a Escritura foi escrita por Deus, até soprada diretamente por ele (2 Timóteo 3:16). Não faz diferença se ele usou apóstolos ou esquilos para escrevê-la. Portanto, cessar o apostolado não encerra a possibilidade de inscrição à Escritura. Se os cessacionistas desejam realizar o que eles precisam, em sua linha de raciocínio, não seria suficiente matar os apóstolos, mas eles deveriam matar Deus também, porque ele é o autor real, exatamente o único autor, e ele pode fazer apóstolos e esquilos além de qualquer coisa, e a qualquer momento na história.

Se é suficiente dizer que Deus completou a Bíblia de acordo com a sua providência, então não faz diferença dizer que ainda há apóstolos hoje. Mas se não for suficiente dizer que Deus completou a Bíblia, então também não será suficiente dizer que não há mais apóstolos. Eles devem destruir o próprio Deus para garantir a conclusão da Bíblia, e eu não ficaria surpreso se muitos deles estivessem disposto a fazê-lo.

Da mesma forma, todos os milagres na Bíblia procediam de Deus, não dos apóstolos, e todos os dons do Espírito vieram de Deus, não dos apóstolos. Para os milagres morrerem Deus deve morrer. Assim, o LOSSOU deve começar com Deus, e não com os apóstolos. Enquanto Deus está vivo, apóstolo ou nenhum apóstolo, dom ou nenhum dom, “tudo é possível ao que crê” (Marcos 9:23).

Mesmo se o apostolado cessou, mesmo se todos os dons do Espírito cessaram, e de fato, mesmo que ninguém na história jamais houvesse operado um milagre pelo poder de Deus, ainda sim, seria possível para mim experimentar todas as coisas representadas pelos dons do Espírito - mesmo que eu deva ser o primeiro e único - porque a minha fé em Deus não cessou. A doutrina da cessação de milagres não é nada mais do que uma desculpa para a cessação da fé. O debate sobre os “dons” do Espírito é um red herring [2] e uma farsa.

"Dom” da escrita da Escritura

Ao exigir uma resposta para “o dom de escrever a Escritura”, a ideia seria que, se escrever a Escritura é um dom espiritual, e se está de acordo que a Escritura tenha sido concluída, então tal dom cessou, e isso seria uma base para o LOSSOU.

Mas quem disse que isso é um dom? Será que ele pensa que somos estúpidos, de tal modo que ele possa tornar esse fato num dom e, então, nos enganar afirmando que esse dom cessou? Ou ele é um idiota, de modo que classifica algo como dom quando não existe base para isso? Seu desafio é funesto. Não temos que cair nele. 

Se mesmo escrever as Escrituras é um dom, seria mais correto dizer que se trata no âmbito de profecia, ou que é uma das muitas manifestações da profecia. Há certa base para dizer isso (2 Pedro 1:20-21), mas, mesmo assim, não podemos saber como isso cobre toda a escrita da Bíblia.

Se escrever a Escritura vem como profecia, seria um argumento circular dizer que um dom espiritual cessou na base de que a escrita da Bíblia cessou, uma vez que a continuação da profecia é uma das coisas discutidas. Não funcionaria dizer: “A profecia cessou, porque a profecia cessou”. Então, mesmo escrevendo que a Escritura vem sob profecia, e mesmo se escrever a Escritura cessou, não se segue que a profecia cessou, porque mesmo enquanto essa estava em operação a escrita da Bíblia teria sido apenas uma rara manifestação desse dom, que não abrange tudo o que o dom implica. Em qualquer caso, é incerto dizer que escrever a Escritura é um dom espiritual, ou que venha no âmbito de qualquer dom espiritual.

Novamente, se o fim da escrita da Escritura deve significar o fim dos dons, ou pelo menos deste dom, então ele não vai longe o suficiente, porque não era o dom que escrevia a Escritura, ou até mesmo os homens que exerceram o dom, mas foi Deus quem escreveu a Escritura. A conclusão da Escritura não será obtida matando os dons. Dado o pressuposto cessacionista, o fim da escrita da Escritura deve significar o fim de Deus - ele deve morrer - mas isto significa que não há salvação para o cessacionista.

Lançamento de sortes

Quantas vezes os lançamentos de sortes aparecem na Bíblia em relação à orientação da Escritura, sábios conselhos, visões, sonhos, circunstâncias, percepções espirituais, e vários outros meios? Mesmo que a prática continue, ainda assim, não se poderia fazer dela uma parte regular de nossas vidas.

Quando os apóstolos lançaram sortes para escolher um substituto para Judas, eles começaram com a Escritura (Atos 1:15-20), em seguida, apontaram um princípio (1:21-22), então se estreitaram os candidatos baixando para duas pessoas (1:23) e em seguida eles oraram (1:24-25). Só depois de tudo isso, lançaram sortes para escolher entre os dois homens, que eram ambos qualificados de qualquer maneira (1:26). Eles não dependiam inteiramente do sorteio.

Ainda assim, alguns teólogos se perguntam se eles fizeram a coisa certa, e se Deus tinha escolhido Paulo para esse lugar. Se a escolha de Deus foi Paulo, então eles não deveriam ter lançado sortes para escolher um substituto, e nós nos perguntamos se em muitos outros casos os lançamentos de sortes foram errados. Quanto mais vezes os lançamentos de sortes forem errados menos somos culpados se nós não adotarmos essa prática, e menos relevância possuirá este desafio cessacionista nesse debate. 

No entanto, ainda estaríamos habilitados a responder de cabeça erguida mesmo se todas instâncias de sorteios na Bíblia foram adequadas.

O lançamento de sortes, mesmo não sendo a melhor maneira de receber orientação, era uma forma de observar a providência, porque a Bíblia diz que Deus é o único que determina o resultado de sortes: “Nós podemos jogar os dados, mas o Senhor determina como eles caem” (Provérbios 16:33, NVI). Os cessacionistas continuam a observar a providência como uma forma de orientação. Na verdade, eles aceitam muito mais facilmente as circunstâncias como sendo a “vontade de Deus”, em seguida, depois os carismáticos.

Algumas pessoas, tanto cessacionistas quanto carismáticas, têm mencionado casos em que abriram a Bíblia ao acaso e acharam uma definitiva orientação em tempos de necessidade. Mais uma vez, se é aconselhável esperar orientação desta forma é uma coisa, mas é verdade que alguns têm testemunhado obter ajuda dessa maneira.

Então, eu me pergunto se este cessacionista sabe o que significa lançamento de sortes. É como jogar uma moeda, e isso ainda é feito quando as opções são igualmente aceitáveis. Por exemplo, podemos jogar uma moeda para decidir quem faz o primeiro movimento em uma competição de atletismo, e podemos escolher os nomes de dentro duma cartola para decidir quais se tornarão parceiros em um projeto de classe. Deus é o único que decide o resultado nesses casos.

Em qualquer caso, não sabemos se os cristãos usaram este método depois de Atos 2, ou seja, depois de Deus cumpriu sua promessa de conceder visões a seu povo, sonhos e profecias (2:17-18). No passado, o Espírito foi dado a certas pessoas para serviço, como reis e profetas, mas Moisés disse: “Eu gostaria que todo o povo do SENHOR fosse profeta e que o SENHOR pusesse o seu espírito sobre eles” (Números 11:29). Isso aconteceu no dia de Pentecostes, e Pedro disse: “E vocês receberão o dom do Espírito Santo. A promessa é para vós, para vossos filhos, e para todos os que estão longe - para todos aqueles que o Senhor nosso Deus chamar” (Atos 2:38-39). A partir de então, lemos: “Estêvão, cheio do Espírito Santo, olhou para o céu e viu a glória de Deus” (Atos 7:55), “o Espírito disse a Filipe” (8:29), “o Senhor chamou a ele em uma visão, ‘Ananias! ’’ (9:10), “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós” (15,28), “ele tinha quatro filhas solteiras que profetizavam” (21:9), e inúmeros casos como estes.

Portanto, este desafio do cessacionista, na verdade, serve para reforçar a nossa posição.

Ponto de concordância

Ele reclama que não devemos pensar que somos como a igreja do primeiro século. De fato, é verdade que os cessacionistas não são nada como os crentes do primeiro século. Há quase nenhuma semelhança. Às vezes é difícil dizer se eles são mesmo cristãos. Eles dão a impressão de terem uma religião diferente, um evangelho diferente, um Deus diferente. Isso é, aparentemente, o que eles pretendem atingir, e eles são bastante felizes nisso. Por outro lado, os carismáticos não estão convencidos de que isso se trata de uma melhora.


Notas do tradutor:
[1] Pista Escorregadia dos Perdedores da Incredulidade
[2] Na argumentação, uma manobra que serve para desviar a atenção do assunto verdadeiro.


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Extraído de:
http://www.vincentcheung.com/2015/03/05/a-cascading-avalanche-of-horse-manure/

Traduzido por: Dione Cândido Jr.

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