sábado, 30 de abril de 2016

Nº 22



A RELAÇÃO ENTRE PERFEIÇÃO E IMPERFEITO (PARTE 2)
por D. A. Carson

Na minha opinião, essa terceira posição tem fortes evidências a seu favor. Entre os fatores mais importantes, estão estes:

(1) É difícil acreditar que Paulo esperasse que os Coríntios pensassem que, ao se referir à “perfeição”, ele fazia alusão ao fechamento da Escritura.

(2) O mais importante é o versículo 12b. A perfeição implica num estado de coisas em que o meu conhecimento é, de certa forma, comparável ao presente conhecimento que Deus tem de mim: “conhecerei como sou plenamente conhecido [a saber, por Deus]”. Isso não significa que Paulo espera obter onisciência, mas “que, na consumação, ele espera ser liberto dos enganos e das inabilidades, que fazem parte da vida presente, para o entendimento (especialmente para o entendimento de Deus e de sua palavra). Seu conhecimento refletirá o atual conhecimento que Deus tem dele, pois não haverá nele imprecisões falsas e, além disso, não estará limitado ao que é possível perceber nesta era” [1]. O foco de Paulo não é que os dons carismáticos desaparecerão por causa de sua fraqueza ou falha intrínseca. Seu argumento é baseado “no fundamento daquilo que está por vir” [2]. Nas memoráveis palavras de Barth, “quando o sol se levanta, todas as luzes se apagam” [3]. Quando aquele maravilhoso conhecimento de Deus se tornar o nosso, o propósito dos dons, tais como profecia, conhecimento e línguas, desaparecerá: que possível serventia eles ainda poderiam ter?

(3) Certamente não menos importante é o versículo 12a. Agora vemos “como que por um espelho, de modo obscuro”: a expressão sugere uma revelação divina ainda indistinta ou embaraçada [4]; contudo, quando a “perfeição” vier, “veremos face a face” — quase que uma fórmula para a teofania na Septuaginta [5], é portanto quase certo que é uma referência ao novo estado trazido pela parúsia. Como Turner observa, a referência à parúsia é “tão clara que Calvino pôde dizer: ‘É uma estupidez que as pessoas façam com que toda essa discussão se aplique ao tempo intermediário’. Não importa o quanto respeitemos o cânon do Novo Testamento, ele só pode ser acusado do mais absurdo exagero no versículo 12, se é disso que Paulo está falando” [5].

(4) A força do versículo 12, de forma semelhante, elimina a sugestão de que “perfeição” se refira (como em Efésios) à união de judeus e gentios em um homem único e “perfeito”. Esse tema é irrelevante para o contexto de 1 Coríntios 13 [6]. Na verdade, qualquer maturidade anterior à parúsia simplesmente torna a linguagem do versículo 12 um tanto trivial.

(5) O versículo 11 também traça um nítido contraste. Apesar de o contraste adulto/criança ser uma técnica retórica padrão no mundo antigo [7], sua aplicação específica aqui exige um salto considerável da infância para a fase adulta. Argumentar que a experiência e a maturidade espiritual da igreja primitiva antes da conclusão do cânon da mesma forma que a experiência do falar e do entendimento infantil está para a da fase adulta é uma total falta de senso histórico.

(6) Se for verdade que a palavra para “perfeição” não é usada em mais nenhum outro lugar para falar do completo estado de coisas trazido pela parúsia, também é verdade que ela quase sempre ocorre como um adjetivo. Somente aqui ela é um substantivo articular neutro, e é provável que tenha sido criada precisamente para servir de contraste ao “que é parcial” ou “imperfeito”.

(7) A interpretação de que Paulo se refere à conclusão do cânon depende do entendimento da profecia do Novo Testamento e de outros dons revelacionais como tendo o mesmo significado de revelação e autoridade que a profecia do Antigo Testamento. Se esse pressuposto for questionado — e eu tentarei fazê-lo no próximo capítulo —, então há bem menos pressão teológica para adotar essa postura.

Nada disso, é claro, sugere que Paulo esteja interessado em estabelecer e frequência ideal e relativa da profecia na igreja; também ainda não mencionamos as objeções históricas que argumentam que os dons de profecias e línguas realmente cessaram. Por ora, essas questões são irrelevantes. Nesses versículos, Paulo estabelece o fim desta era como o tempo em que esses dons deverão ser finalmente abolidos.


Notas:
[1] Grudem, Gift of Prophecy, 213.
[2] Günther Bornkamm, Early Christian Experience, trad. Paul L. Hammer (Londres: SCM, 1969), p.184-85.
[3] Karl Barth, The Ressurection of the Dead, trad. H. J. Stenning (Nova York: Arno, 1977), p.81.
[4] A combinação de di esóptrou en ainigmati já provocou considerável discussão. Provavelmente abrange uma alusão a Nm. 12:6-8 (veja Grudem, Gift of Prophecy, p.145-46 n.53). Seja pela qualidade inferior dos espelhos no mundo antigo, seja pelo ângulo de visão, os espelhos somente podem prover uma imagem indireta e incompleta da realidade. A segunda frase preposicional provavelmente não significa que a revelação já dada seja enigmática, misteriosa quanto ao seu sentido, completamente incompreensível, mas simplesmente indistinta. Veja inter alios Wilfrid L. Knox, St. Paul and the Chruch of the Gentiles (Cambridge: Cambridge University Press, 1961), 121; Nobert Hungedé, La Métaphore du Miroir dans les Epîstres de saint Paul aux Corinthiens (Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1957); David H. Gill, “Through a Glass Darkly: A Note on 1 Corinthians 13,12”,  Catholic Biblical Quarterly 25 (1963): 427-29; Frederick W. Danker, “Postscript on 1 Corinthians 13,12”, Catholic Biblical Quarterly 26 (1964): 248; Grudem, Gift of Prophecy, 144-47. Contra R. Seaford, “1 Corinthians XIII.12”, Journal of Theological Studies 35 (1984): 117-20, não é nada claro que haja uma alusão direta às religiões de mistério.
[5] As palavras prósopon pròs (ou katà) prósopon não são encontradas no Novo Testamento, mas estão na Septuaginta nas seguintes passagens (somente): Gn.32:20; Dt.5:4; 34:10; Jz.6:22; Ez.20:35; cf. Êx. 33:11; e Gurdem, Gift of Prophecy, p.213.
[6] Turner, “Spiritual Gifts and Now”, p.39.
[7] Contra J. R. McRay, “To Teleion em 1 Cor 13:10”, Restoration Quartely 14 (1971): p.168-83.
[8] Veja Conzelmann, First Corinthians.


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Extraído de:
CARSON, D. A. A manifestação do Espírito. A contemporaneidade dos dons à luz de 1Coríntios 12–14. São Paulo: Vida Nova, 2013, p.72-74.

Nº 21



A RELAÇÃO ENTRE PERFEIÇÃO E IMPERFEITO (PARTE 1)
por D. A. Carson

Quando vier o que é “perfeito”, o “imperfeito” desaparecerá (NVI): qual é a relação entre essas duas categorias?

Alguns detalhes são claros. É óbvio que o que passa não é o conhecimento em si, mas sim o dom carismático do conhecimento (pois o conhecimento em si nunca será extinto; e, se fosse, ninguém o conheceria); não é o conteúdo da profecia, mas as profecias individuais; e, por inferência, Paulo tem em mente, sem dúvida, todo o arsenal carismático. O momento de sua passagem está claramente relacionado com o contraste entre o que é “perfeito” e o que é “imperfeito” (v.10 [NVI]). O último é uma expressão sintética baseada numa frase adverbial preposicional [1] encontrada três vezes nesses versículos: “em parte conhecemos”, “em parte profetizamos” (ambas no v.9 [NVI]) e, de novo, “conheço em parte” (v.12): isto é, nosso conhecimento das coisas divinas é parcial, e nossas profecias, de igual modo, produzem, na melhor das hipóteses, informação parcial. Essa expressão adverbial preposicional é então substantivada no versículo 10 pela adição de um artigo [2] e é traduzida (pela NVI) por “o que é imperfeito” – ou seja, o que é parcial. O desaparecimento desse tipo de “imperfeição” ou parcialidade é dependente da vinda do que é “perfeito” (v.10) [3], que permanece diante da natureza da “parcialidade” dos dons carismáticos nos dias de Paulo. Isso fica claro pelo versículo 12b: “Agora conheço em parte, mas depois conhecerei plenamente, assim como também sou plenamente conhecido”.

Mas quando o que é perfeito vem e em que isso consiste? Há três grupos de teorias [4]

Defende-se com veemência que “perfeição” se refere à maturidade da igreja ou À maturidade de cada cristão [5]. A palavra, no uso do Novo Testamento, muitas vezes se relaciona a algum desses tipos de maturidade cristã; portanto (argumenta-se), Paulo de forma proposicional escolhe o termo nesse caso para manter em aberto o sentido preciso dessa maturidade. Se o Senhor voltasse antes da morte de Paulo, isso traria a “maturidade” ou “perfeição” prometida; se não, a conclusão do cânon e toda a informação que o crente precisa para a maturidade espiritual trariam essa “perfeição”.

Argumenta-se também com veemência que a “perfeição” é a conclusão do cânon [6]. Muito do estímulo a essa posição tem origem em uma preocupação profunda com a finalidade da verdade bíblica. Se o dom de profecia, digamos, tem sido exercido com a mesma autoridade que tinha nas pessoas de Isaías, Jeremias ou Amós, é extremamente difícil enxergar como, se o dom de profecia ainda existe, alguém pode evitar cair nos erros da postura das seitas [7]. Por que os atuais profetas não escrevem suas profecias, que deveriam então ser aceitas como “cânon” pela igreja? Embora eu argumentarei brevemente que essa interpretação está errada, é preciso ser dito que os carismáticos nem sempre entenderam a complexidade da questão. Em um ensaio recente, por exemplo, um estudioso carismático ridiculariza, com agressividade, a posição daqueles que querem fazer uma distinção entre o modo de Deus conceder seus dons antes da conclusão dos escritos inspirados e depois de sua conclusão, acusando-os de forçar uma dicotomia entre um “Deus pré-canônico” e um “Deus pós-canônico”. Há certa percepção nessa acusação; todavia, ela não aborda as difíceis questões sobre como deveríamos pensar a respeito da singularidade da autorrevelação de Deus em Jesus e na primeira geração de testemunhas.

A terceira interpretação, a mais aceita pela maioria, é que a “perfeição” se relaciona com a parúsia (ou, presumivelmente, com a morte, se isso interferir e se a questão da “perfeição” for considerada de um ponto de vista simplesmente, em vez de absolutamente, individual). Digo “se relaciona com a parúsia”, em vez de a própria parúsia, porque alguns fizeram a objeção pelo fato de a palavra parousia ser feminina, enquanto que a palavra correspondente à “perfeição” é masculina. A objeção não tem mérito, pois “perfeição” não é a parúsia em si, mas o estado de coisas trazido pela chegada da parúsia.

O resultado do debate sobre essas posições é muito importante, pois Paulo escreve que o que é imperfeito desaparecerá quando vier o que é perfeito (NVI). Em outras palavras, os dons de profecia, conhecimento e línguas (e, por inferência, a maioria [8] dos dons carismáticos) desaparecerão em algum momento futuro, em relação ao tempo em que Paulo escreve, caracterizado por ele como “perfeição”. Se esse momento for estabelecido no primeiro ou no segundo século, então nenhum suposto dom de profecia, conhecimento ou línguas é válido hoje. Por outro lado, se esse momento for estabelecido na parúsia, então não há nada nessa passagem para excluir um dom válido de línguas ou profecia hoje. É claro que isso não necessariamente significa que toda reivindicação atual de algum dom carismático particular seja válida. Também não significa necessariamente que um dom carismático ou dons carismáticos não possam ter desaparecido antes da parúsia. Significa, contudo, que a Escritura não oferece fundamento para os que querem eliminar todas as reivindicações dos dons carismáticos hoje.



Notas:
[1] ek mérous.
[2] to ek mérous.
[3] to téleion. 
[4] Na minha opinião, as três melhores discussões sobre essas questões estão em: K. S. Hemphill, “The Pauline Concepto f Charismata: A Situational and Developmental Approach” (tese de doutorado, Cambrigde University, 1976), 113ss.; Wayne A. Grudem, The Gift of Prophecy in 1 Corinthians (Washington, D. C.: University Press of America, 1982); e M. M. B. Turner, “Spiritual Gifts Then and Now”, Vox Evangelica 15 (1985): 39.
[5] Especialmente por Thomas, Understanding Spiritual Gifts, 106ss.
[6] Veja especialmente Douglas Judisch, An Evaluation of Claims to the Charismatic Gifts (Grand Rapids: Baker, 1978), mas essa posição é muito comum entre os autores não carismáticos que tratam da questão.
[7] Por exemplo, mesmo um estudioso como Richard B. Gaffin, Jr., Perspectives on Pentecost: New Testament Teaching on Gifts of the Holy Spirit (Phillipsburg, N. J.: Presbyterian and Reformed, 1979), que reconhece que to téleion está relacionado com a parúsia, ainda argumenta que profecia, línguas e similares são modos de revelação e que a formação das Escrituras já cessou. Se isso for admitido, é sem fundamento insistir que essa passagem ensina que os modos de revelação admitido, profecia e línguas, devem permanecer sendo exercidos até a volta de Cristo. Paulo não tem a intenção de especificar o momento em que determinado modo cessará. O que ele afirma é que há um término para o conhecimento fragmentário presente do cristão, com base nos modos de revelação temporários, quando “o que é perfeito” vier. O tempo da cessação da profecia e das línguas é um questão aberta tanto quanto essa passagem em questão (p.111).
Em outras palavras, Gaffin reconhece que essa passagem não pode ser usada para ensinar que profecia e línguas cessaram no primeiro ou no segundo século; portanto, ele tenta neutralizar a relação com a parúsia dizendo que o tempo exato da cessação não é absolutamente especificado. A questão pode, então, ser tratada mais no campo da dogmática do que no da exegese. Todavia, Paulo especifica que a profecia e outros dons cessarão quando o que é perfeito vier; e, se de acordo com Gaffin essa perfeição se relaciona com a parúsia, então sua interpretação possui pouco embasamento no texto.
[8] Digo a “maioria” porque cárisma, como vimos no primeiro capítulo, pode se referir à própria salvação, a qual, como se presume, não desaparece (embora esse exemplo a incompletude de sua realização presente individualmente desaparecerá). Além disso, o dom do apostolado (12:28) tem certas peculiaridades associadas a ele que mencionarei no próximo capítulo.


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Extraído de:
CARSON, D. A. A manifestação do Espírito. A contemporaneidade dos dons à luz de 1Coríntios 12–14. São Paulo: Vida Nova, 2013, p.69-72.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Nº 20



A PROFECIA É UM DOM PERMANENTE OU TEMPORÁRIO? 
por Wayne Grudem

Existem dois outros sentidos em que a profecia pode ser considerada um dom temporário. Em primeiro lugar, nenhum profeta era capaz de profetizar de acordo com a própria vontade. Alguém só poderia profetizar quando recebesse uma revelação. Ainda que uma pessoa profetizasse com bastante frequência, pode-se dizer que a pessoa não “possuía” realmente o dom, uma vez que precisava esperar até o momento em que o Espírito Santo lhe desse a revelação.

Em segundo lugar, Paulo reconhece claramente a soberania do Espírito Santo na distribuição dos dons. Todas as coisas (ou dons) “são realizadas pelo mesmo e único Espírito, e ele as distribui individualmente, a cada um, como quer” (1Co. 12:11). Portanto, é realmente possível que o Espírito Santo conceda a alguém uma habilidade especial — digamos, como a cura ou a profecia — por apenas alguns instantes e depois nunca mais.

Contudo, a despeito dessas duas possibilidades, também é possível falar da profecia como um dom permanente ou, pelo menos, semipermanente. Embora acreditemos que nenhum profeta possa profetizar por sua vontade, todavia encontramos indicações em 1Coríntios de 12 a 14 de que havia pessoas que profetizavam com frequência e por longo período de tempo. Esse fato não contradiz necessariamente a insistência de Paulo na soberania do Espírito Santo na distribuição dos dons. Simplesmente confirma que Paulo reconhecia que o Espírito agia de maneira ordeira e regular, e não de modo casual e imprevisível.

Em 1Coríntios 14:37, a expressão “se alguém pensa que é profeta” não se refere a quanto tempo a pessoa profetiza, mas ao momento em que a carta de Paulo é lida. Isso implica que alguns profetizam com frequência suficiente para serem considerados profetas todo o tempo, não apenas enquanto profetizam. De maneira similar, em 1Coríntios 13:2 a frase “ainda que eu tenha o dom de profecia” dá a entender uma possessão contínua do dom. Também em 1Coríntios 12:29, onde lemos: “São todos profetas?”, vemos a implicação de que alguns profetizavam com regularidade suficiente para serem considerados profetas.

Parece que o mesmo acontece com outros dons. Aparentemente, quando alguém tinha a habilidade de interpretar línguas, esse fato era conhecido por toda a congregação, porque quem falava em línguas deveria saber se algum “intérprete” estava presente e, se não estivesse, não deveria falar línguas na igreja (1Co. 14:28).

Pode-se chegar a conclusão similar a partir da metáfora do corpo humano encontrada em 1Coríntios 12:12-26. Se os membros da igreja são tidos como parte de um corpo, o retrato é o da continuidade de posse de funções durante um período de tempo (pois a mão continua a ser mão, e o pé continua a ser pé, etc). Contudo, essa metáfora não pode ser levada a extremos, pois isso simplesmente implicaria que ninguém poderia obter outros dons nem perder os dons que possui ou ter mais de um dom, e assim por diante[1].

Portanto, o padrão parece ter sido o de que a profecia normalmente era um dom permanente ou, pelo menos, semipermanente, embora ninguém pudesse profetizar por vontade própria e apesar de alguns profetizarem uma vez e depois nunca mais.

Embora, nesta discussão, não seja errado dizer que alguém “possui” um dom ou outro (Paulo fala dessa maneira em 1Coríntios 12:30 e 13:2, no texto grego), é bom lembrarmos a perspectiva madura de Richard Gaffin sobre a questão da posse de dons espirituais de modo geral:

Provavelmente a mais importante e certamente a mais difícil lição a ser aprendida é que, por fim, os dons espirituais não são forças e habilidades presumidamente nossas nem algo que “possuímos” (ou mesmo tenhamos recebido), e sim o que Deus faz por meio de nós a despeito de nós mesmos e de nossas fraquezas. “Minha graça é suficiente para você, pois meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2Co. 12:9)[2].



Notas:
[1] A passagem de Romanos 11:29.diz: Pois os dons e o chamado de Deus são irrevogáveis. Contudo, isso não é diretamente relevante à nossa pesquisa sobre o uso dos dons espirituais na igreja, pois, no contexto de Romanos 11, Paulo está falando sobre o acesso às bênçãos da aliança dadas a uma nação em particular  os judeus , e não sobre ministérios individuais. Portanto, essa não é uma passagem que contribui a nossa investigação.
[2] Perspectives on Pentecost, Philipsburg: Presbyterian and Reformed, 1979, p.54

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Extraído de:
GRUDEM, Wayne. O dom de profecia. Do Novo Testamento aos dias atuais. São Paulo: Vida, 2004, p.223-25.

Nº 19




TODOS OS CRENTES PODEM PROFETIZAR? 
por Wayne Grudem

É permitido a todos os crentes profetizar? Paulo coloca certas restrições com relação à permissão de profetizar. Ninguém pode profetizar quando mais alguém estiver falando (1Co. 14:30,31), e as limitações de tempo parecem não permitir que todos na congregação profetizem em uma única reunião (1 Co. 14:29). Porém, excetuando-se essas restrições, não existe nenhuma outra limitação no NT quanto ao ato de profetizar [1]. Não há um ofício profético que nos levasse a pensar que somente quem o possuísse pudesse profetizar na igreja nem existia qualquer indicação de que somente os membros da congregação que fossem mais velhos, mais maduros ou mais respeitados pudessem profetizar. Em vez disso, todo crente que tivesse recebido uma revelação e quisesse falar na sua vez poderia profetizar.

Todo crente tem a capacidade potencial de profetizar? Com essa pergunta, queremos saber se todo crente pode um dia profetizar, ou no aspecto negativo, se existem crentes que, por alguma razão, estão desqualificados para atuar como profetas. Nesse ponto, a resposta deve ser a de que essa habilidade potencial é possuída por qualquer um em quem o Espírito trabalhe. Os dons são dados, como diz Paulo, a cada um (1Co. 2:7,11) pelo Espírito Santo e apenas a livre vontade do Espírito (“como quer”, 1Co. 12:11) é que determina quem recebe o dom. Qualquer cristão poderia receber o dom de profecia. Além disso, Paulo insistiu em que todos os coríntios buscassem o dom de profetizar (1Co. 14:1,39), deixando implícito que havia para todos eles pelo menos a possibilidade de que pudessem receber esse dom profético.

Todo crente tem a capacidade real de profetizar? Nesse caso, perguntamos se todos os crentes realmente receberam a capacidade de profetizar. A resposta deve ser negativa. Muito embora Paulo queira que todo cristão em Corinto busque a profecia e outros dons úteis, ele é bastante claro em dizer que não existe um dom que todos os crentes possuam (1Co. 12:8,10,12,14,17,19,20,29,30) e até mesmo especifica quea profecia é uma função não possuída por todos (v. a frase “são todos profetas”, em 1Co. 12:29).

Não há qualquer inconsistência em Paulo dizer que nem todos são capazes de profetizar serão capazes de profetizar, enquanto diz, ao mesmo tempo, que todos devem buscar fazê-lo. Paulo não sabia a qual dos coríntios seria dado o dom de profecia. Ele não poderia selecionar um grupo  como o dos adultos, dos líderes ou dos cristãos maduros  e ordenar que somente aquelas pessoas profetizassem, pois, se agisse assim, excluiria alguns profetas em potencial. Sua única alternativa era fazer exatamente o que fez: encorajar todos a buscar o dom, e, ao mesmo tempo, exortava quem não o havia alcançado a continuar contente e confiar na sabedoria de Deus com relação ao que é melhor para a igreja (1Co. 12:11,15,16,18,28; cf.31).

Outra objeção pode se basear em Atos 19:6, quando alguns cristãos efésios “começaram a falar em línguas e a profetizar”. Embora essa profecia possa ser, em muitos aspectos, similar ao tipo de profecia que encontramos em 1Coríntios, o fato de que aparentemente todos falaram em línguas e profetizaram ao mesmo tempo torna esse episódio bastante diferente do discurso congregacional ordeiro de 1Coríntios. Em vez disso, parece que se trata de um acontecimento dramático e único, confirmando a concessão do Espírito Santo aos gentios, similar ao acontecimento de Atos 2:4 e 10:26, e que esse acontecimento não seria necessariamente repetido na fundação de outras igrejas ou nas vidas subsequentes dos doze discípulos de Éfeso quando começaram a trabalhar no culto.

A objeção final origina-se em 1Coríntios 14:31, onde Paulo diz: “Pois vocês todos podem profetizar, cada um por sua vez, de forma que todos sejam instruídos e encorajados”. Esse versículo não diz que todos podem profetizar? 

Na verdade, o versículo não afirma exatamente isso. Ele diz que todos podem profetizar cada um por sua vez — em outras palavras, que todos são capazes de se controlar e agir de modo ordeiro. A expressão “cada um por sua vez” aparece logo no início da frase grega e é colocada entre os termos “vocês todos podem” e “profetizar”, garantindo assim a compreensão do leitor sobre o que está em pauta: não simplesmente a habilidade de profetizar, mas a habilidade de profetizar cada um por sua vez. Esse versículo, portanto, não quer dizer que todos realmente podem profetizar, e sim que todos os membros da congregação podem se controlar se todos realmente profetizam.

A última frase de 1Coríntios 14:31 — “de forma que todos sejam instruídos e encorajados” — mostra o resultado da profecia uma após a outra. Todos os membros da congregação poderiam ser ajudados ou encorajados, porque poderiam ouvir e entender. A outra situação, na qual vários profetizaram ao mesmo tempo, somente permitiria que alguns poucos (ou mesmo ninguém) aprendessem e fossem encorajados, porque ninguém seria capaz de ouvir ou entender tudo o que era dito. Mas se todos os que profetizam fizerem isso um de cada vez, todos ouvirão e compreenderão as palavras e, por isso, todos serão encorajados e fortalecidos.

Portanto, vários trechos dos capítulos 12 a 14 de 1Coríntios mostram de maneira bastante clara que nem todos os crentes realmente tinham a habilidade de profetizar.


Notas:
[1] A passagem de 1Co. 14:33b-35 não proíbe as mulheres de profetizar. Ver a discussão do Cap. 11.

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Extraído de:
GRUDEM, Wayne. O dom de profecia. Do Novo Testamento aos dias atuais. São Paulo: Vida, 2004, p.216-19.

Nº 18




A DIFERENÇA ENTRE PROFECIA E ENSINO 
por Wayne Grudem

O ensino é sempre citado como um dom separado da profecia.  Outra observação também indica que devemos esperar que o ensino seja diferente da profecia. Os dois dons são citado separadamente todas as vezes que o NT alista diferentes tipos de dons espirituais (Ef. 4:11; Rm. 12:6; 1Co. 12:28). Isso nos leva a suspeitar de qualquer definição que os veja como a mesma atividade, pois não está de acordo com o sentido apresentado pelo NT.

O ensino nas epístolas do NT consistia na repetição e explicação das palavras das Escrituras (ou de ensinos igualmente autorizados de Jesus proclamados pelos apóstolos) e de sua aplicação aos ouvintes. Nas epístolas do NT, o “ensino” é muito semelhante ao que é descrito pela expressão “ensinamento bíblico”, muita usada hoje em dia.

Em contraste, nenhuma profecia nas igrejas do NT é tratada como interpretação ou aplicação de textos das Escrituras do AT. Embora poucas pessoas afirmem que os profetas nas igrejas no NT davam “interpretações carismáticas inspiradas” de textos do AT [1], essa afirmação dificilmente pode ser convincente, em especial porque é difícil encontrar no NT qualquer exemplo convincente de que o grupo de palavras relacionadas ao termo “profeta” é usado para referir-se à alguém que exercesse esse tipo de atividade.

Em vez disso, a profecia deve ser o relato de alguma revelação espontânea vinda do Espírito Santo. Desse modo, a distinção é bastante clara: se a mensagem é o resultado da reflexão consciente sobre o texto das Escrituras, contendo interpretação do texto e aplicação para a vida, então (no NT) é um ensino. Porém, se a mensagem é o relato de alguma coisa que Deus traz repentinamente à mente da pessoa, então é profecia. Naturalmente, até mesmo ensinamentos bem preparados podem ser interrompidos por material adicional não planejado que o instrutor bíblico repentinamente sente que Deus traz à sua mente; nesse caso, seria um “ensino” mesclado com profecia.

A diferença entre profecia e pregação

Na linguagem moderna, a palavra “pregação” é usada para significa a mesma coisa que o NT chama “ensino”. Portanto, isso não precisa ser um assunto separado, ou seja, tudo o que foi dito sobre “ensino” na sessão anterior aplica-se igualmente à “pregação”.

Contudo, pode ser interessante agora mencionar dois líderes renovados que vêem que a diferença entre profecia e ensino (ou “pregação”) hoje em dia é bastante similar ao que é encontrado no NT.

Michael Harper, anglicano renovado inglês, diz:

O pregador normalmente prepara, fala e expõe a partir da Palavra de Deus. O profeta, porém, fala diretamente sob a unção do Espírito Santo. Ambos tem um papel a desempenhar na edificação da igreja, mas não devem ser confundidos [2].

Dennis e Rita Bennett, episcopais renovados americanos, dizem:

A profecia não é uma “pregação inspirada” [...] na pregação, o intelecto, o treinamento, a habilidade, a formação e a educação são envolvidas e inspiradas pelo Espírito Santo. O sermão pode ser escrito com antecedência ou proferido de improviso, mas vem do intelecto inspirado. A profecia, por outro lado, significa que a pessoas está trazendo as palavras que o Senhor dá diretamente; é do Espírito, e não do intelecto [3].


Notas:
[1] Com relação a uma defesa da função de “interpretação das Escrituras” exercida pelos profetas, v. E. Earle Ellis, Prophecy and hermeneutics in Early Christianity: New Testament essas (Grands Rapids: Eerdemans, 1978). Duas respostas bastante convincente a Ellis podem ser encontradas em David Rui, New Testamente prophecy (Atlanta: John Knox, 1979) p.103-6, e David E. Aune, Prophecy in Early Christianity and the ancient mediterranean world (Grands Rapids: Eerdemans, 1983) p.339-46. Com relação à “exegese carismática” das Escrituras, Aune conclui corretamente: “Não existe praticamente nenhuma evidência [...] de que essa atividade fosse exercida por quem era chamado ‘profeta’ no cristianismo primitivo” (p.345).
[2] Prophecy: a gift for the body of Christ, Plainfield: Logos, 1964, p.8.
[3] The Holy Spirit and you, EastBourne: Kingsway, Plainfield: Logos, 1971, p.108-9.

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Extraído de:
GRUDEM, Wayne. O dom de profecia. Do Novo Testamento aos dias atuais. São Paulo: Editora Vida, 2004, p.151-53.

terça-feira, 26 de abril de 2016

Nº 17



ALGUMAS SUPOSIÇÕES INCORRETAS DO PENSAMENTO CESSACIONISTA 
por Wayne Grudem

Alguns dos argumentos cessacionistas baseiam-se no apelo a determinadas passagens das Escrituras, como a afirmação de que Efésios 2.20 mostra a profecia como um dom “funcional” que não continua nos dias de hoje. Porém, conforme tenho conversado com meus amigos cessacionistas durante as últimas décadas, parece-me que, com frequência, sua argumentação é baseada não em passagens específicas das Escrituras, mas em algumas suposições. Neste apêndice, exponho cinco dessas suposições e questiono sua validade.

Os dois primeiros argumentos cessacionistas sobre a suficiência das Escrituras não estão sujeitos a crítica:

1. Deus revelou sua vontade em proposições escritas na Bíblia. (Todos os evangélicos concordam com isso).

2. As proposições escritas na Bíblia dão uma completa revelação dos padrões morais que Deus quer que todos os cristãos obedeçam durante o período da igreja. (Todos ou pelo menos a maioria dos evangélicos concorda com isso, ainda que alguns não tenham refletido sobre essa ideia anteriormente).

Contudo, depois desse ponto, a posição dos cessacionistas chega a algumas conclusões não comprovadas:

3. Portanto:
a) Não há repetições. O cessacionista pode afirmar que Deus não concede revelações subjetivas de padrões morais presentes nas Escrituras à pessoas de maneira individual.

Suposição incorreta. Se Deus revelou uma coisa em algum momento de forma escrita nas Escrituras, ele não pode ou não irá repetir parte ou toda essa revelação em outras formas à pessoas individualmente. Mas, na verdade, não há razão para ele não repetir ou lembrar alguém de coisas que já estejam nas Escrituras. Tais lembretes não teriam em si o status de revelação canônica, mas simplesmente repetiriam o conteúdo da revelação canônica.

b) Não há adições para indivíduos específicos. O cessacionista pode afirmar que Deus não pode ou não revelará orientações adicionais específicas a pessoas de maneira individual.

Suposição incorreta. Se Deus já concedeu nas Escrituras todos os seus padrões morais que se aplicam a todos os cristãos em todas as épocas, ele não pode ou não irá revelar mandamentos com orientações adicionais a pessoas específicas em lugares e momentos específicos. Porém, de fato não existe nada que impeça que Deus dê orientações específicas a uma pessoa, tal como a ordem que deu a Abraão de deixar seus pais, a orientação dada a Paulo para passar pela Macedônia ou o chamado de uma pessoa para o ministério. Além do mais, as palavras de encorajamento presentes nas Escrituras no sentido de sermos guiados pelo Espírito Santo (Rm. 8:14; Gl. 5:18), além dos muitos exemplos bíblicos de orientações específicas que Deus deu a indivíduos, podem muito bem ser entendidos como indicativo de que as próprias Escrituras nos ensinam que Deus revela sua vontade a nós, por diversos meios, de tempos em tempos.

c) Se não temos certeza se uma coisa é ou não de Deus, ela não é. O cessacionista pode afirmar que Deus não dá às pessoas qualquer revelação de sua vontade a não ser que ele também dê a quem recebeu tal revelação a certeza de que essa revelação vem dele.

Suposição incorreta (I). Se Deus revelou sua vontade de forma objetiva e sabemos com certeza que vem dele (a Bíblia), então toda revelação sua às pessoas virá de forma objetiva e saberemos com certeza que são dele. Mas o fato é que Deus pode revelar sua vontade às pessoas de maneiras subjetivas, sem que estejam plenamente revestidas da certeza de que venham de Deus, tais como intuição, “pressentimentos”, sonhos, sentimentos de estar sendo guiadas pelo Espírito Santo, etc.

Suposição incorreta (II). Nossa incerteza quanto ao fato de alguma coisa ter sido revelada ou não por Deus significa que não foi revelada por Deus. Em determinado momento, o cessacionista poderá perguntar: “Mas como você sabe que isso vem de Deus? ”, assumindo assim, sem evidência ou prova, que Deus precisa dar alguma certeza juntamente com qualquer revelação feita à pessoa individualmente. Mas o fato é que Deus pode nos dar algumas revelações sobre as quais temos alguma incerteza quanto a tal revelação ser de Deus ou não. Isso parece ser a preocupação principal do mandamento “Não tratem com desprezo as profecias, mas ponham à prova todas as coisas e fiquem com o que é bom” (1Ts. 5:20,21).

d) Não é feita nenhuma revelação sobre fatos do mundo. O cessacionista pode afirmar que Deus não dá às pessoas qualquer revelação de fatos sobre uma situação em particular dos dias atuais. Em vez disso, toda revelação deve vir por meio da observação e da investigação do mundo pelos meios comuns de nossas faculdades naturais.

Suposição incorreta. Se Deus revelou nas Escrituras tudo sobre o assunto (seus padrões morais e doutrinários para todos os cristãos de todos os tempos), ele não pode ou não irá revelar informação sobre outro assunto (como fatos particulares sobre o mundo ou sobre acontecimentos mundiais) às pessoas de hoje. Mas o fato é que ele pode revelar a algumas pessoas que um certo amigo está pronto para ouvir ou receber o Evangelho, que outra pessoa precisa de encorajamento por meio de uma ligação telefônica, que precisa de dinheiro, de oração, etc. Todas essas situações são fatos obre o mundo que poderiam, em princípio, ser obtidos por meio de nossas faculdades naturais, mas que também podem ser diretamente revelados por Deus.

e) Não há validade para os princípios difíceis de serem colocados em prática. O cessacionista pode afirmar que se o conceito de orientação subjetiva é de difícil aplicação à vida diária ou se é aplicado de maneira errada por aqueles que o seguem, então é conceito errado e não é de Deus.

Suposição incorreta. Deus nos dá somente princípios para a vida cristã fáceis de serem aplicados. Mas a verdade é que a própria tarefa de aplicar as Escrituras à vida é frequentemente difícil e normalmente é feita de forma errada. A tarefa de usas a “sabedoria”, incentivada (corretamente) pelos cessacionistas é também algo que requer prática durante toda a vida e uma habilidade que se desenvolve com o passar do tempo. O fato de que dar atenção aos fatores subjetivos é algo difícil não significa que esses fatores não venham de Deus.

Quando essas cinco suposições são trazidas à luz e analisadas, elas perdem muito de seu poder de persuasão.


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Extraído de:
GRUDEM, Wayne. O dom de profecia. Do Novo Testamento aos dias atuais. São Paulo: Editora Vida, 2004, p.391-94.

N° 16



DEUS PODE APRECIAR A ADORAÇÃO? 
por Vincent Cheung

Eu acredito no controle completo de Deus sobre todas as coisas, ações e pensamentos, mas tenho dificuldade em responder essa pergunta:

Uma vez que Deus determina tudo o que acontece, então ele determina minha adoração dele, e de todos os pensamentos que ocorrem em minha adoração. Como ele pode desfrutar dessa adoração se todos os pensamentos nessa celebração vem dele mesmo? Fazendo uma analogia, é como uma menina que pode colocar pensamentos na sua boneca e fazer com que essa elogie sua beleza, mas o elogio vem da mente da própria menina

Sempre que alguém faz uma pergunta contra a doutrina bíblica, isso representa um ataque contra Deus e a sua glória. Portanto, você deve tanto responder a essa pergunta, quanto atacar a pessoa. Deve haver algo de errado com a pessoa para que ela faça tal pergunta. Por consequência, você também deve examinar a si mesmo por não responder. Se você realmente compreende a natureza e a glória de Deus como revelada na Bíblia, em vez de deixar uma analogia que o representa como uma pessoa humana jogar fora toda a sua teologia, você não teria qualquer dificuldade em responder a isso.

Embora a Escritura use analogias humanas para ilustrar algumas coisas sobre Deus, os pontos reivindicados são sempre claros, e são muitas vezes afirmados diretamente em conjunto com as analogias. Além disso, a Bíblia representa o homem como a imagem de Deus, e não Deus como a imagem do homem pecador! Mesmo quando algo é dito sobre o homem, e então Deus é dito ser como ele, diz-se que Deus é melhor ou maior, e não inferior.

Primeiro, nós afirmamos positivamente a doutrina e vemos que não há nenhum problema nisso. Assim, se Deus faz com que o seu povo o adore, então ele aprova esse culto. A questão não é se achamos que ele deveria ser capaz de apreciá-lo, mas se isso é o que acontece, que ele realmente causa o culto, e se ele declara que esse é o jeito que ele gosta. Se assim for, então o assunto está resolvido. Está encerrado. A pessoa que faz uma reclamação contra isso está, de fato, dizendo que ele (o homem) é infeliz para que Deus possa ser feliz com esse arranjo. Ele está insistindo que Deus não deve estar feliz com isso, mesmo que o próprio Deus não reclame. Em vez de ameaçar a doutrina, essa objeção é uma blasfêmia. Esse homem pensa que ele próprio pode ser um Deus melhor, ou que ele sabe como ser um Deus melhor, que seja feliz e satisfeito. Nossa doutrina não está em apuros, mas a alma desse homem está bastante em apuros. Essa resposta é suficiente tanto para o cristão como para o não-cristão, porque a oposição logicamente não faz sentido.

Em segundo lugar, o raciocínio dessa pessoa pode aplicar-se a muitos outros atributos de Deus. Mesmo que Deus não pudesse causar qualquer coisa nesse universo, se continuarmos a afirmar sua onisciência, isso significa que ele sabe tudo sobre a adoração do passado, do presente e do futuro – todos os motivos, cada pensamento, cada oração, cada entonação de cada palavra em cada hino, cada gesto das mãos e do rosto, e assim por diante. Se pensarmos que ele tem uma mentalidade muito parecida com a de uma pessoa humana (como a analogia da menina implica), então como ele pode “desfrutar de” adoração? Assim, o Deus que essa pessoa tem em mente deve ser subtraído de seu conhecimento também, assim como de seu poder. Como Deus pode “aproveitar” o culto quando seu poder infinito significa que ninguém pode ir contra ele? Que se dirá das suas promessas e das suas bênçãos? Como Satanás mesmo disse a Deus: “É a troco de nada que Jó teme a Deus?” (Jó 1:9. VC). Podemos continuar essa análise até que ficamos com um Deus que esse homem está satisfeito e que, na sua opinião, pode ter uma existência significativa. E esse Deus será nada mais do que um super-homem, se é que consiga ser isso. Esta resposta é especialmente aplicável ao cristão, uma vez que mostra que ele, de fato, não acredita em Deus. Seu “Deus” é algo muito diferente que ele mesmo inventou, e esse “Deus” (um mero super-homem) é a divindade que ele adora. Mas também é aplicável ao não-cristão, porque o Deus que ele contesta não é o Deus da Bíblia, e a Bíblia não está obrigada a lhe apresentar um Deus que ele goste.

Terceiro, muitos outros detalhes na oposição permanecem obscuros. O que significa o “desfrutar de” adoração? O que essa pessoa acha que a adoração é? Será que ela realmente acha que é como uma garota que recebe bajulação? É esse o tipo de Deus que ele tem em mente, e a razão pela qual ele pensa que Deus ordena a adoração? Será que ele oferece argumentos para apoiar isso? Será que essa pessoa é um cristão? E se ele é um não-cristão, ele entende algo sobre a fé cristã para fazer essa tola suposição? Além disso, você acha que isso é a forma como adoramos? Por que você permite que essa suposição, de que Deus é como uma menina e de que a adoração é como uma bajulação?

Em quarto lugar, a própria analogia humana sai pela culatra contra essa pessoa. Um garotinho que pega dois soldados de brinquedo e os faz lutar entre si está no controle constante de ambos os itens, mas ele ainda acha todo esse cenário emocionante. Uma menina que se senta com seus brinquedos para tomar chá com eles e escreve bilhetes conversar com eles ainda encontra horas de diversão. Eu não digo que o culto é assim, mas isso mostra que, mesmo se a adoração fosse como isso, não seria necessariamente um problema, e isso não significaria necessariamente que Deus “não aproveitou” nada dela. Esse homem é tão estúpido que ele nem sequer compreende a situação humana, e ele se atreve a examinar a natureza de Deus contra a própria revelação de Deus.

Que pensador pequeno! Que pessoa desprezível e sem valor! Ataque ele. Deprecie ele. Repreenda-o com palavras duras e com grande voz. Mas, primeiro, examine-se a si mesmo. É muito grave você não conseguir responder a um desafio tão fácil. Ele não é apenas um problema intelectual, mas também um problema espiritual e ético. Se você tivesse no lugar do seu Deus, como ele é revelado na Bíblia, você não teria permitido que essas analogias blasfemas o incomodassem.


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Extraído de:
http://www.vincentcheung.com/2012/05/11/can-god-enjoy-worship/

Traduzido por: Dione Cândido Jr.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Nº 15



A INCESSANTE TORRENTE DE ESTRUME DE TOURO 
por Vincent Cheung

Ambos, carismáticos e cessacionistas, tendem a se envolver num debate sob o termo “dons” espirituais, mas é antibíblico repousar a questão apenas na terminologia “dons”, pois a Bíblia quase nunca usa essa linguagem para abordar esse assunto. Vemos grandes passagens sobre isso em Romanos 12, 1 Coríntios 12-14 e Efésios 4, que tratam sobre tudo isso. Há um pequeno lugar em Hebreus e outro em Pedro que falam no termo “dons”, mas Paulo é praticamente o único a fazer isso.

Todos os outros autores da Bíblia, e todas outras instâncias - centenas, e dependendo do que você considerar como relevante, até mesmo milhares de passagens - usam termos como “fé”, “graça”, “poder”, “o Espírito do Senhor”, “a mão do Senhor”, ou elas descrevem o que aconteceu, como “Então Deus disse a Abraão”, “a palavra do Senhor veio a mim”, “o Senhor ouviu o clamor de Elias, e a vida do menino voltou a ele”, “a tua fé te curou”, “o Espírito do Senhor arrebatou a Filipe”, e assim por diante. Mesmo assim, muitas pessoas, incluindo os carismáticos, estão presas discorrendo em 1 Coríntios 12 e várias outras passagens, e fazem isso sempre usando o termo “dons”. Isso distorce toda a discussão.

Então, o debate é ainda mais reduzido para “sinais” dos dons, e os carismáticos embarcam junto nisso, embora a Bíblia não faça essa distinção. Assim, toda a discussão é praticamente um lixo desde o princípio. Os reformados e os cessacionistas, são aqueles que estão orgulhosos da sua abordagem “redentivo-histórica” da Escritura, mas como é que eles não mencionam isso, e tratam o tema dessa maneira? É uma erudição fraudulenta.

Ao invés de me envolver nessa tolice, eu examino o que a Bíblia ensina sobre Deus, sobre fé, sobre cura, sobre oração, e assim por diante. Se Deus continua, então a fé continua. Se a fé continua, então os milagres continuam. Desde que a fé esteja nos homens, os milagres continuam através dos homens. Alguns desses casos são manifestações do que as pessoas chamam de “dons”, embora a Bíblia quase nunca os chame assim. As pessoas pensam que os “dons” tenham cessado - elas querem que os dons tenham cessado - não porque eles realmente cessaram, mas porque essas pessoas deixaram de ter fé em Deus.

Vamos falar sobre “dons” milhares de vezes sem que o termo “dons” seja usado uma vez. Então, nós estaremos falando sobre essas coisas um pouco mais perto da proporção bíblica. Será que Deus continua? A fé continua? A oração continua? Será que Deus continua cumprindo sua aliança - sua antiga, antiga, antiga, revelação (Lucas 13:16)? É enganoso supor que Deus opere milagres para, principalmente, confirmar a nova revelação. Novamente, apesar da Bíblia ensinar que Deus confirmou novas revelações por meio de milagres, isso é comparavelmente raro. Ele fez promessas que implicam em milagres - para homens, com homens, e por meio de homens - até o fim da história humana.

Na verdade, isso não acontecerá porque Deus vai parar de fazer milagres, mas acontecerá porque esses atos não serão mais chamados de milagres, porque as suas manifestações de poder se tornarão banais. Nesse momento, esses são chamados de “os poderes do mundo vindouro” (Hebreus 6:5). As manifestações dos dons constituem uma amostra do futuro. Elas irão “cessar” apenas no sentido de que esses poderes não mais serão limitados a casos particulares, pois haverá uma corrente constante de sabedoria e poder para nós e através de nós. Ou seja, os dons vão “cessar” somente no sentido que aumentarão em tal ponto que não mais poderão serem isolados (1 Coríntios 13:9,12).

A terminologia “dons” torna essa discussão carregada desde o princípio, e refere-se a “assinar” dons torna ainda mais sem sentido, já que agora estamos debatendo algo que a Bíblia nem sequer conhece. Na verdade, o próprio tema da “continuação” desses “dons” torna essa discussão carregada a um nível ainda mais absurdo. Não há justificativa suficiente para que esse tema, em primeiro lugar, sequer surja. Os cristãos afirmam a existência de Deus, e contra o ateísmo eles defendem a existência de Deus. Mas eles, geralmente, não precisam afirmar ou defender que Deus existe e que ele continua existindo. Talvez até mesmo os incrédulos sejam mais espertos para não carregar um debate da questão de saber se um ser eterno é um ser eterno. Por que discutir se Deus continua a fazer trabalhos especiais através dos homens, a menos que haja justificativa suficiente para fazer disso um tópico? O que eles artificialmente consideram como habilidades especiais e temporárias sempre foi a maneira com que Deus interagiu com as pessoas e através das pessoas. A questão depende de sua natureza, e não de peculiaridades dispensacionais.

Na verdade, a terminologia “dons” é tão não-essencial que, mesmo se todos os “dons” cessassem, nada mudaria. Deus ainda poderia curar as pessoas quando oramos pelos enfermos, e até impondo nossas mãos sobre eles em nome de Jesus, nós só não diríamos que isso é o dom de cura. Deus ainda poderia falar com as pessoas sempre que ele quisesse, nós só não chamaríamos isso de profecia. Enquanto o próprio Deus não cessar - enquanto ele não morrer - não haverá nenhuma diferença prática entre se alguma vez houve dons e ou se cessaram ou não.

Os cessacionistas nem sequer demonstram que existe razão suficiente para fazer disso em um tópico para uma discussão. Eles devem mostrar que algo mudou para fazerem disso uma questão legítima, e que não pode ser descartada. Eles não conseguiram demonstrar que a finalização da Bíblia tem algo a ver com se Deus continua a fazer milagres, e continua a fazer milagres através de homens.

Na maioria das vezes, Deus opera milagres seguindo algo que que ele disse na sua antiga, antiga, antiga revelação, ou simplesmente porque ele mostra sua compaixão. Deus disse que iria entregar Israel para Moisés com mão forte, porque ele se lembrou de Abraão - daquela antiga, antiga, antiga revelação - não porque ele queria confirmar uma nova revelação, embora ele também pretendeu que os milagres produzissem esse efeito. Assim, mesmo que os milagres de Jesus efetivamente confirmaram algo sobre ele (Atos 2:22), ele disse explicitamente que curou uma mulher baseado na aliança de Abraão (Lucas 13:16). Não tinha qualquer relação necessária com os dons espirituais. A cura foi o pão dos filhos (Mateus 15:26) - o seu fornecimento regular e legítimo. Depois, até as “migalhas” foram suficientes para curar alguém que não tinha, aparentemente, nenhum direito disso, exceto a alegação de fé (Mateus 15:27-28).

A base para os milagres é antiga revelação. A finalização da Bíblia não tem nada a ver com se os milagres continuam ou não, pelo contrário, essa revelação completa proporciona ainda mais base para mais milagres. O tema em si não possui razão suficiente para, até mesmo, justificar sua própria existência. Nesse momento, eu não estou ciente de qualquer um na história da teologia que tenha conseguido ir além desse ponto para legitimar esse tópico. Até agora, a própria existência desse tópico é fundada sobre fraudes. Se eu optasse por discuti-lo ante tudo isso, seria um ato de condescendência.

Eu sou um cristão. Embora eu chame o incrédulo de não-cristão, eu não me chamaria de ainda-cristão. E mesmo que, as vezes, encontre ateus, eu não me chamo de não-ateu, nem minha doutrina de contínuo-teísmo. Da mesma forma, apesar de às vezes realizar proezas de caridade teológica e tolerar o tema do cessacionismo, eu não vou me chamar de continuacionista, nem minha doutrina de continuacionismo, porque eu considero esses termos como concessões desnecessárias para essa contínua pilha carregada de estrume. Eu acredito em Deus, por isso eu acredito em milagres.


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Extraído de:
http://www.vincentcheung.com/2015/09/01/the-unceasing-downpour-of-bull-dung/

Traduzido por: Dione Cândido Jr.