quinta-feira, 25 de maio de 2017

Nº 69



A RAZÃO PARA CRER QUE OS DONS REVELACIONAIS CONTINUAM
por Don Codling

Reconhecemos desde o princípio que não existe nenhuma declaração explícita de que tais dons revelacionais continuam. Nem deveríamos esperar por alguma. Exigir uma declaração assim significaria deslocar o ônus da prova ilegitimamente. Ninguém nega que nos dias dos apóstolos tais dons foram amplamente concedidos. Isso se iniciou assim, e a menos que uma clara declaração negativa nos seja dada por Deus, nós estamos prestes a presumir que tais dons continuam. Não basta insistir no fato de que a Bíblia é uma história da redenção e que embora essas coisas se sucederam na Bíblia elas não continuarão se sucedendo no decurso da vida da igreja. É necessário demonstrar que tais dons não são como a Ceia do Senhor ou a moralidade bíblica, e que eles estavam tão ligados a história da redenção ao ponto de se encerrarem com ela. Os argumentos que nós consideramos até agora tentam fazer isto, mas falham. O argumento mais forte para a continuação destes dons revelacionais é a ausência de uma clara declaração negativa, de uma clara declaração dada por Deus de que tais dons se cessaram.

Ademais, não deveríamos ter a expectativa de que tais dons fossem distribuídos de maneira uniforme em todas as épocas. É óbvio que nenhum deles é uma dotação de todos os cristãos (1Co. 12:29-30). Não houve profetas reconhecidos em três séculos antes de Cristo. Houve períodos na história bíblica em que um vasto número de milagres foram vistos, enquanto em outros tais manifestações foram dificilmente reconhecidas. Deus concedeu os seus dons de acordo com a necessidade que ele julgou ser melhor. Se alguns deles desapareceram por um momento, isto ainda não implica na conclusão de que eles nunca mais seriam concedidos novamente.

Contudo, há um certo número de indicações positivas para que nós possamos esperar pela continuidade de tais dons. A profecia de Joel, que foi cumprida no Pentecostes, é uma delas:


E há de ser que, depois, derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos jovens terão visões. E também sobre os servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu Espírito. E mostrarei prodígios no céu, e na terra, sangue e fogo, e colunas de fumaça. O sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor. E há de ser que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo; porque no monte Sião e em Jerusalém haverá livramento, assim como disse o Senhor, e entre os sobreviventes, aqueles que o Senhor chamar (Joel 2:28-32).

Joel não predisse sobre uma repentina e derradeira onda de profecias seguida por um silêncio profético. Ele predisse sobre um tempo em que Deus derramaria do seu Espírito e concederia dons de profecia, sobre um tempo de provações e dificuldades “antes que venha o grande e terrível dia do Senhor”, sobre um tempo em que aqueles que invocarem o nome de Cristo seriam salvos. E uma vez que isso esteja explicitamente conectado ao retorno de Cristo, seria necessário fornecer fortes razões para limitar isso a um curto período após a sua primeira vinda.

Jesus toma esse mesmo impulso em João 14:12: “Na verdade, na verdade vos digo, que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço, e as fará maiores do que estas, porque eu vou para meu Pai”. Ele não disse que apenas os apóstolos e alguns outros daquela geração iriam fazer maravilhas, ele disse que aquele que cresse nele iria fazer maravilhas.

As implicações disto podem ser vistas na pergunta que Paulo fez aos discípulos efésios do batismo de João“Vocês receberam o Espírito Santo quando creram?” (Atos 19:2). Evidentemente, Paulo esperava ver alguma manifestação da presença do Espírito naqueles que seguem a Cristo. Ele não recebeu nenhuma revelação de que aqueles discípulos estavam deficientes, mas, ao investigar, ele viu que havia algo de errado. Quando ele procurou saber se eles conheciam algo do Espírito Santo, ele os dirigiu até Cristo! O resultado foi que eles receberam Cristo, foram batizados em Cristo, e falaram em línguas e profetizaram. Paulo esperava que todo cristão ou pelo menos todo grupo de cristãos pudesse demonstrar alguma manifestação visível da presença do Espírito, algum dom visível do Espírito Santo.

Além disto, como nós temos visto até aqui, a leitura natural de 1 Coríntios 13:8-12 indica que a profecia se encerrará quando Cristo retornar. Alguém poderia entender que a profecia se encerraria em algum tempo antes do retorno de Cristo, mas não há nenhuma razão para assumir isso. Assumindo que o propósito desse texto é estabelecer que o “agora conheço em parte[1] deverá ser substituído pela clara visão de Deus no fim, a simples leitura disto implica que tais dons continuarão até que venha o fim, pelo menos a princípio.

Então, temos as duas testemunhas de Apocalipse 11. Alguns acreditam que elas sejam dois líderes que deverão aparecer antes do retorno imediato de Cristo. Essa visão é comumente mantida pela maioria dos cessacionistas, que veem nisso um símbolo da voz da Igreja na presente era como julgamento  a era que vai desde o Pentecostes até o retorno de Cristo[2]. Mas estas testemunhas profetizam! Elas não são descritas como pregadores, mas como profetas. Novamente, por qualquer que seja a interpretação aqui, a simples indicação é que a profecia deve continuar até o tempo em que Cristo retornar.

Em consideração a essa questão, nós precisamos estar conscientes que as distinções que fazemos entre dons ordinários e extraordinários, ou dons revelacionais e não revelacionais, é artificial. A Bíblia não faz tais distinções. Ela coloca os mestres entre os profetas e os operadores de milagres, e o dom de governar entre os dons de curar e de falar em línguas (1 Coríntios 12:28). Qualquer um concorda que tais dons como ensino e socorro continuam. O que implica que todos os dons devem continuar, a menos que haja uma clara base bíblica que negue isso, como os requisitos em Atos 1 sobre um apóstolo oficial ser uma testemunha da ressurreição de Cristo. Aquela qualificação limitou o ofício apostólico à geração que viu Jesus em carne. Desse modo, o pressuposto é que os dons de profecia e cura continuam assim como os dons de ensino e governo continuam.

Os dons do Espírito são biblicamente associados com o ofício de Cristo como Rei. Em Efésios 4:8 nós lemos que, “quando ele subiu em triunfo às alturas, levou cativo muitos prisioneiros, e deu dons aos homens”. Paulo nos informa explicitamente quais tipos de dons ele tem em mente após três versículos: são os dons que devem equipar as pessoas como apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres (Efésios 4:11-12). A doação destes dons está explicitamente ligada à sua posse de seu trono no Céu. A mesma ligação foi feita quando ele comissionou os doze, e depois os setenta, em suas primeiras viagens missionárias. Mateus 10:7-8 diz, “por onde forem, preguem esta mensagem: ‘O Reino dos céus está próximo’. Curem os enfermos, ressuscitem os mortos, purifiquem os leprosos, expulsem os demônios. Vocês receberam de graça; deem também de graça”. Em Lucas 10:9, os setenta são semelhantemente ordenados: “Curem os doentes que ali houver e digam-lhes: ‘O Reino de Deus está próximo de vocês’”. O Reino de Deus é associado com curas e outros milagres. Eles são dons de Cristo como nosso Rei, o que implica que eles devem continuar. Ele não cessou de ser Rei, e nem mesmo existe alguma sugestão na Bíblia de que estes dons estariam reservados à celebração da sua coroação” real. De fato, todos concordam que os dons ordinários” continuarão enquanto o nosso Rei reinar. O nosso Rei pode fazer o que bem entender, mas os seus súditos não podem presumir que ele deixou de dar alguns dos seus dons sem nos dizer.

A ordenança procurai com zelo os dons espirituais” (1 Coríntios 14:1) carrega o pressuposto de que esses dons continuam. Isso é ecoado em 1 Coríntios 12:31, “procurai com zelo os melhores dons”, e em 1 Coríntios 14:39, “procurai, com zelo, profetizar”. Um princípio fundamental da interpretação bíblica é que o que foi escrito foi escrito para o nosso aprendizado (Rm.15:4; 1Co.10:11). Tais ordenanças não são apenas uma parte interessante da história, mas estão vinculadas à todo o povo de Deus, a menos que haja alguma razão clara para limitá-las. Os verbos estão todos no imperativo presente, implicando que nós devemos continuar a desejar esses dons espirituais. Esta implicação temporal no grego reforça a pressuposição de que estes dons continuam e devem ser desejados pelo povo de Deus.

Nós somos ordenados a provar os espíritos, para ver se ele vem da parte de Deus. Vamos nos concentrar nos meios que nos foram dados para fazer depois. Mas o que a ordenança em si sugere é que haverá algumas manifestações que são da parte de Deus, assim como outras não serão.

Pode haver algum problema se tais dons forem ignorados? Sim. Houve problemas e haverá problemas. Por isso, Deus nos instruiu a provar os espíritos, e não proibi-los. Isso está explícito em 1 Coríntios 14:39: “Não proibais o falar línguas[3]. Quando alguém alega estar falando em línguas ou profetizando, a resposta bíblica não é lhe dizer, você não pode fazer isso!” Os cessacionistas têm me dito: “Nós não estamos proibindo as pessoas de falar em línguas; nós estamos proibindo elas de falarem o que não seriam as línguas bíblicas, porque as línguas cessaram”. Tais declarações trivializam o ensino da Bíblia. A ordenança sobre provar os espíritos implica num exercício contínuo de tais dons, como a profecia. A advertência de Cristo de que, se possível, os falsos profetas e os falsos milagres enganariam até mesmo os escolhidos, implica na continuação da verdadeira profecia e dos verdadeiros milagres. Essas questões não devem ser tomadas levianamente.



Notas:
[1] Richard B. Gafin, Jr., “A cessacionist view”, Are miraculous gifts today? (Grands Rapids: Zondervan, 1996), p.55.
[2] Como entende William Hendriksen, em Mais Do Que Vencedores. São Paulo: Cultura Cristã, 1987
[3] Reformed Prebyterian Church, Evangelical Synod. Minutes of the 149th General Synod (Maio, de 1971), p.96. “...Observemos cuidadosamente que Paulo nos diz para não proibirmos falar em línguas. Certamente, isso quer dizer tanto publicamente como particular.=mente. Nós não temos autoridade espiritual (v.36-40) para proibir as línguas, mas apenas para limitar a publicidade delas segundo os padrões estabelecidos por Paulo (v.27-28).


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Extraído de:
CODLING, Don. Sola Scriptura and the Revelatory Gifts. Washington: Sentinel Press, 2005, p.115-119.

Traduzido por: Dione Cândido Jr.

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